Chiaroscuro






Quando se pensa que não é possível amar ainda mais o céu da cidade, ele mostra que segue onipresente e onisciente da atração que exerce. 

É uma técnica que a arte renascentista já dominava: o chiaroscuro. O contraste entre luz e sombra na representação de um objeto. Niemeyer, que era um cara mais esperto do que eu, sacou que podia utilizar a ideia na arquitetura. Ele, lá na década de 50/60, criou túneis, passagens de nível e subsolos que sempre odiei. Uma capital plena de superfície, com amplidões de Guimarães Rosa, por que raios de tantos buracos de tatu? 

Teve de chegar o século 21 e a experiência de toupeira nas catacumbas do Tribunal para talvez começar a compreender que o arquiteto (pretensão minha, teoria minha, quanta arrogância) pretendia valorizar o céu sem limites, os horizontes eternos do planalto central. Porque depois de cada escuridão, alcançar a iluminação é imprescindível. Saia do breu de corredores estéreis para o Sol que tudo fará mais sentido. O que já é belo, mais beldade adquirirá. 

Agora é assim: me alço ao térreo e sou imediatamente fisgada pelo vão azul que se divisa além das marquises concretas. A solidez das paredes densas se desfaz em nuvens alvas e tons violáceos. Daqui a pouco aparecem anjinhos tocando lira e tudo. Desconfio que deve ser por isso que eles são as grandes estrelas da nave da catedral metropolitana. Afinal, abóboda celeste como a de Brasília é a materialização do paraíso. 

O.K., Oscar, não lhe perdoo por completo, pois ninguém deveria passar horas em calabouços. Todavia, o jogo do claro-escuro faz sentido. É uma vivência diária da alegoria da caverna de Platão: minhas sombras se libertam do cativeiro por meio da luz que atravessa a alma, trazendo à tona as verdades mais significativas.



Comentários

  1. "materialização do paraíso"😍 fantástico!!!esse devia ter ido pro Rio🤗

    ResponderExcluir
  2. Que lindo!

    Marisa Brasiliense

    ResponderExcluir
  3. Oi, Luciana! Eu tinha respondido, mas acho que não salvei! Hahahahaa! Ótimos os seus textos, você escreve bem! Parabéns! Concordo com o efeito no caso da Catedral! Quanto às passagens subterrâneas, para mim o efeito vem acompanhado do alívio de deixar pra trás um buraco malcheiroso, que me obrigou a desviar do caminho, a descer e a subir sem necessidade, e do alívio de deixar pra trás a sensação de que a qualquer momento algo pode acontecer comigo!

    Gabriela Tenório

    ResponderExcluir
  4. Que linda reflexão sobre os horizontes e o céu do planalto central... São tão únicos, não dá pra esquecer!!!! Ouvindo anjinhos tocando lira, hein??!!

    ResponderExcluir
  5. Dear Lucilu,

    I love the most recent photo of you (short hair!) and the beginning of a novel in pictures. What a great idea!

    Particularly love the photo and explanation of the chiaroscuro sky. I hope you will keep this format going.

    Love,

    Molly

    ResponderExcluir
  6. Aproveito para lhe parabenizar pelo seu blog. Li e reli quando vc fala da luz e sombras!

    Socorro Melo

    ResponderExcluir
  7. De fato, a intermitência é a melhor amiga do prazer.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos