Fraternidade Assunção


Presentinho que ganhei da irmã Nena aqui nos EUA

"Família, família, cachorro (dezena de raças e vira-latas), gato (vários), galinha..." (muitas, centenas, incluindo cocás, patos e perus) e irmãos, no meu caso, também muitos: cinco. Engraçado os Titãs não terem citado irmãos nessa equação familiar, pois eles são o que de fato fazem da família uma grupo em perene renovação de laços e neuroses. Mana Marisa partiu ontem à tarde. Mulher de sorte: desde ontem à noite não temos água quente no prédio. Dormimos fedidos. 

Irmãos... A temporada americana tem me presenteado com muitos aprendizados e novidades, mas talvez a mais profunda seja ter tido a oportunidade de conviver intimamente com duas irmãs. Livre das balbúrdias e distrações das festas de aniversários, dos maridos, dos sobrinhos, dos netos, dos Natais e Dias das Mães, dos problemas do Brasil. Éramos apenas elas e eu. Primeiro, Marilena, a mais velha, com quem já havia tido outros momentos de fraterna companhia, e agora Marisa, com quem jamais estive por tanto tempo sozinha, em intenso convívio.

Estreitar os afetos dissipados pelas pressões da rotina, pelas perdas precoces difícies, pelas diferenças geracionais (que consequentemente geraram memórias e traumas nelas diferentes dos meus), foi de fato uma bênção que só agora estou me dando conta. O relacionamento com minhas irmãs atingiu um outro patamar, aquele que nem todos os irmãos têm: intimidade. Enfim somos sangue do mesmo sangue, ainda que Marisa tenha o ato falho de se referir ao nosso pai como sendo o meu avô: -"O seu avô dizia... Avô não, Marisa! Pai, ele era o meu pai também!" KKKK!

Ela não está tão equivocada. Afinal, idade para tanto papai tinha quando faleceu e deixou a caçula sem desfrutar de suas manias excêntricas. Uma delas, fazer os filhos lerem matérias do jornal do dia em voz alta antes do jantar. Outra: obrigar os pirralhos a fugir para a casa da vizinha para ver televisão, uma vez que ele decidiu não ter um aparelho malévolo daqueles na própria sala.

Aqui e ali vou preenchendo os vazios dessa figura paterna tão longe e tão perto. Vou me reconhecendo nele e nas minhas irmãs. Vamos descortinando o quanto somos parecidas, misturadas e, logicamente, dessemelhantes.

Marilena e Marisa gostam de comer frutas picadinhas pela manhã. É um método. Acordava com a salada de frutas já pronta. Achava engraçado, pois prefiro a fruta inteira: morder, abocanhar, roer. Descobri que é possível cozinhar junto com Marisa, mas não com Marilena, que gosta que tudo saia do jeito dela. Porém ambas desenvolveram um apego similar e ferrenho às datas de validade dos produtos. Logo elas, criadas na roça em meio ao esterco de curral, numa época na qual se sorvia leite ao pé da vaca sem nenhuma bola para pasteurização. 

Descobri também que Nena não gosta de cebola (eu amo, sou capaz de comer uma cabeça por dia) e precisa inventar meios de disfarçá-la para comer. Mas ela insiste que gosta, orgulho besta! KKK! Ah, sim, orgulho e vaidade de sobra tem minha hermana mignon. Canseira absoluta dos mil cremes e rituais de beleza que a acompanham em qualquer viagem. E eu que pensava que era muito vaidosa, agora penso que sou apenas normal. 

Mana Marisa, à primeira vista o estereótipo da desorganização, é bem mais focada do que Nena, empenhada em transmistir uma imagem de mulher da razão, com seu ar sério de engenheira. Mana Marisa me surpreendeu em tantos aspectos... Foi uma delícia ver minha irmã gordinha ir se revelando dia após dia.

Ela adora carros, conhece todos os tipos e marcas. Dirigindo pelas highways e parkways, Marisa apontava esse ou aquele, dizia quais já estavam no Brasil, quais nunca tinha visto. Gostava de tirar fotos das placas diferentes como eu. E, ao contrário do que todo mundo pensa a respeito dos gordos, ela não come de tudo e não gosta tanto de junk food. O comportamento da mana reforçou uma teoria que formulei (nutricionistas, perdoem minha pretensão!): todo mundo que briga com a balança ou dela desistiu, é muito seletivo para comer. Elege alguns alimentos favoritos e os comem aos borbotões. 

Nena, ao contrário, se lançava às experimentações gastronômicas à disposição na Big Apple. Topava tailandês, indiano, chinês, peruano, italiano... Mas não curtia abrir mão de carne não, postura intrigante, pois sempre achei que ela fosse muito mais natureba do que eu, que passo à comida vegetariana por dias sem problema.

Outra surpresa: mana Marisa tem dote para tingir cabelos! Insistiu para que eu não fosse ao Canadá tão desmazelada. Comprei a tinta um tanto desconfiada, todavia, com delicadeza, paciência e precisão, ela cobriu os fios brancos da minha vasta cabeleira.

Marisa generosa, perdulária, afetuosa. Ela me perguntou se havia mudado ao longo do tempo. Não! Permanece a ursinha carinhosa, menina grande, fácil de agradar e também de manipular, o que me deixa apreensiva. Minha irmã do meio é franciscana, do tipo que conversa com os passarinhos e esquilos do Central Park. Ela é lúdica e contemplativa como eu, traços do espírito que Nena, em sua sôfrega hiperatividade, não tem.

Marisa gosta das músicas do Roupa Nova. Bernardo foi torturado por mais de uma hora durante o passeio até o monastério budista. Já sei quem vou convidar para, enfim, ir comigo ao show mais brega da minha vida! Nena eu vou continuar convidando para as orquestras, teatros e feirinhas. Entretanto, não devo chamar nenhuma das duas para ver um filme de suspense... "De onde vem essa sua morbidez, minha irmã?", questionou a eterna preocupada Marilena, sempre carregando as densidades do mundo nos ombros, carma de todo arrimo de família? 

Já Marisa me considera uma arrogante: "Essa loja do museu só tem livro, só serve pra você, intelectualoide, cadê os chaveirinhos?". Hahaha!

Poderia ficar aqui me divertindo com essas lembranças por horas. É tão bom redescobrir as pessoas; desvendá-las frente a frente num café ou lado a lado nos assentos do metrô. Quando a vida lhe der essa chance, abrace-a! 

Love you, hermanas!


Comentários

  1. Luciana, olha que interessante: "redescobrir" as irmãs, longe dos "eventos" sociais-familiares.
    Com o passar do tempo, parece que a gente acaba mesmo tendo cada vez menos contatos familiares.

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  2. É, irmã Lu e sobrinha amada, conviver e poder estar sem cobranças com as pessoas que a gente AMA e conhecer melhor sem ser julgado é muito bom!! Marizoca é única no jeito dela ser! URSONA.

    Leila

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  3. Que texto lindo, Loo!!!!!!!!
    Redescobrir laços e afetos às vezes parece mais interessante do que descobrir...
    Adorei, li rapidão, e olhe que eu sou leeeeeennnnttttaaaaaa...
    Beijão,
    AnaC

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  4. Oi Luciana,

    Li o seu relato com muito gosto!!! Que bonito ver duas irmãs se conectando e se descobrindo a cada momento!!! Fico muito feliz por vocês duas!!! Eu acho que eu ia gostar dessa sua irmã, ela tem cara de ser uma ótima companhia!!!

    Beijos,
    Evelyn

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  5. Amei, o texto.
    Super 10, esse enlaçamento do parantesco, tornando-se família.
    Construção dura, árdua e quase eterna.
    Saudades. Bjus

    Davide

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  6. Luciana,
    eu cometei sua mensagem.

    Me chamou a atenção o seu "subject".
    Quando você fala em "ode", me vem à cabeça o Asterix.

    Um beijo,
    Paulo.

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  7. Lú,

    que delicia de cronica, daqui pelas fotos que você posta, pude identificar bem cada uma delas, da forma como conviveram com vocês por ai. Ter irmã é muito bom, brigamos , fazemos as pazes, temos histórias parecidas, temos aconchego, tem épocas que ficamos próximas outras distantes, mas vale muito a pena. bjcas,

    Renata Assumpção

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  8. Hahaha... amei... sorri e chorei lendo seu texto, contando lindamente sobre a natureza da irmandade, esse presente inestimável... Essas duas irmãs são preciosas, cada uma a seu modo e felizmente você pode curti-las como se deve! Um beijo pra você e pra essas duas queridas!

    Mônica Emery

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  9. Momentos únicos e inesquecíveis!!!

    Liana

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  10. Marisa, você ganhou uma fã...E Roupa Nova só é brega em cabeça de intelectualóide mesmo! kkkkk

    Lara Silva

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  11. Que lindinho!
    Saudades!

    Márcia Godinho

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  12. Oi, presente! Muito gostosa de ler essa postagem sobre o contato com suas irmãs em local tão distante da terra brasilis. É bom fortalecer os laços íntimos com nossas queridas e queridos e aproveitar os momentos de relaxamento sempre que possível.

    Gostei do texto (claro). Você é capaz de fazer parecer até um "café com tapioca" o encontro mais delicioso do mundo (pra mim é! kkkkkk).

    Fica com Deus. Beijos e até!

    Marcita

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