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Mostrando postagens de 2017

O breu do céu

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O urubu caminha sobre a laje do edifício de apartamentos. Seus passos reflexivos percorrem sempre o mesmo trajeto de ida e volta. Parece preocupado. Ou seria eu, projetando minhas angústias? O solitário urubu anda entre as antenas parabólicas. Estamos frente a frente. Ele para por breves momentos e logo retoma a caminhada.  Do lado oposto, na varanda, reconheço nos passos do urubu uns trejeitos de barata.  Nunca tive nada contra abutres, mas a semelhança me provocou arrepios de asco. Seria eu projetando um desconforto existencial?  A ave segue em seu posto de vigília. Do lado de cá também não arredo o pé. Logo, logo o urubu vai se confundir com o breu do céu.  Mas antes da noite, ele estanca e mira na minha direção. Será que descobriu estar sendo observado?  Não, não. Ele se coça, espreguiça as asas...  Apenas abraça a solidão dos incompreendidos, como a sua espiã.

Thanksgiving

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A rádio 106.7 já começou a cantinela natalina. Christmas songs 24 horas por dia, sete dias da semana. Saindo da aula de pilates, flocos de neve caíam do céu e pousavam como caspas no meu casaco preto.  Estamos no mês da gratidão para os americanos. O Thanksgiving, celebrado nessa quinta, é a mais significativa das celebrações para os EUA. Os sentimentos no meu coração também são gratos. Principalmente a vocês, amigos que me acompanharam durante toda a aventura de viver fora do país com dois filhos e uma cachorra.  Aproveito a vibe da gratitude tomando conta da semana para agradecer o apoio de cada um de vocês. Todas as congratulações pelos resultados brilhantes do Tomás (mãe exibindo filho é meio clichê, mas não pude resistir. Quando ele vir o post vai ficar bravo, pois Tomás é assim: um ser humano avesso aos holofotes). Cada comentário sobre as minhas fotos, cada energia boa que vocês me enviaram pelo zap, cada debate, curtida, amada ou risada foram de grande

Jandyra on my mind

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"Georgia, Georgia, no peace I find. Just an old sweet song keeps Georgia on my mind..." (Hoagy Carmichael) Dindinha não sai do me pensamento nesses dias...  Tudo começou no Dia de todos os Santos, quando a rádio que eu adoro estava veiculando músicas que falassem ou tivessem nome de santos. Daí, eles tocaram Saint Jude, do Florence and The Machine.  Depois, decidi usar o medalhão de São Judas que minha madrinha não tirava do pescoço e eu herdei.  E hoje resolvi reproduzir a farofa de ovos dos churrascos mensais da paróquia São Judas Tadeu, de Brasília.  Dindinha morreu em novembro, não recordo bem o dia, acreditem. Eu prefiro lembrar dela viva, recepcionando os comensais no salão de festa da igreja a cada primeiro domingo do mês.  Saudades desses churrascos que fizeram parte de toda a minha vida...

Declamações

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Passei o dia com saudade desse momento específico de ontem, quando Romulito encontrou a estante de livros antigos na livraria antiga: - Mamãe, olha, só livro de poemas!  Ele me identifica com poesia, me relaciona com ela. Meu coração encharcou de ternura e orgulho. Quantas noites de declamações de ninar...  Hoje, acordei arrependida de não ter declamado nenhum ali, com meu inglês carregado de sotaque, ao lado dele, um poema de antigamente.

Criminosa das lentes

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Meu ex-professor de inglês na Cultura Inglesa, companheiro de peripécias no FB, ator, provocador e dramaturgo Alexandre Ribondi disse que ficava irritado com fotos de paisagens postadas no Facebook sem informação de localização.  Então resolvi contar um pouco desses cliques todos que eu tiro em minhas andanças pelo condado de Westchester, estado de NY. A maior parte deles está nos meus trajetos entre o Westchester Community College e o nosso apê. Podem ser também no caminho das escolas dos meninos em White Plains/NY ou, quem sabe, nas vezes que dirijo até a IBM para deixar Bernardo no trabalho. Mas o que acho relevante compartilhar com vocês é a dificuldade que tenho para registrar essas paisagens idílicas.  Pensam que é simples? De jeito nenhum! As estradinhas do condado não têm acostamento. E você não pode entrar na rua de uma casa, por exemplo, caso contrário é invasão de privacidade (os americanos são bem ciosos de seu espaço privado).  Ainda que exist

In loving memory of banchs

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Cenários de espera Cenários de paquera Meditação Reflexão Cigarro na mão... Os bancos evocam paz de espírito. Contemplam o mundo com solidez e solidão. Sugestivos, esperam Encontros Risos Abraços Sorvetes Pontas dos pés, Pernas e palavras cruzadas. Banco é criança comendo pipoca; é jovem absorto com fones de ouvido; é velho espalhando milho aos pombos. No banco se lê carta, jornal e livro. Banco é objeto abandonado à própria poesia.

Loja de homem

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Aí o garoto que, segundo a amiga Ana Cristina de Aguia r , “sempre nos surpreende”, me faz entrar na loja mais luxuosa de móveis e decorações que eu já fui na vida! Arhaus é o nome dela. - Eu adoro móveis!, afirma Sherlock e adentra o recinto com desenvoltura.  Me senti um cadiquim deslocada, mas a cada momento que uma vendedora simpática vinha nos abordar, a mãe explicava: - This guy said he loves furniture and interior design! As vendedoras ficaram encantadas e começaram a papear com ele, o que me deixou menos tensa dentro de um lugar que não me pertence! Kkk! (ao menos um dos vendedores disse que a minha saia era bonita, ufa! ) E eu com um saquinho de plástico a tiracolo com o resto dos noodles que sobraram do almoço, pensem! Ao sair da loja depois de uma eternidade, Sherlock fecha a questão: - Enfim uma loja de homem nessa rua! Assino embaixo!

Unidos pelo chauvinismo

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Homens latinos, geralmente uns machistas-chauvinistas... Estava na fila do caixa da loja de roupas Uniqlo na Quinta Avenida. À minha frente, uma moçoila; atrás de mim, um pai italiano com seu filho pequeno. A moçoila vestia uma legging justíssima, deixando toda a abundância de sua bunda linda e perfeita em evidência. Claro que era esse o efeito que ela queria imprimir nos demais seres humanos: admiração e torpor.  Olhei para a bunda redonda e lisa da moça quando ela ficou de costas pagando a conta dela. Quem não olharia? A questão não é essa, pois se ela vestiu aquela legging justa era para fazer valer o ditado "o que é bonito é pra se mostrar". O problema é que o pai italiano atrás de mim não se contentou em apenas encarar a bunda da moça, como também passou a instigar o filho pequeno, que deveria ter uns 7,8 anos, a fazer o mesmo. Piadinhas ao pé do ouvido do moleque que nada estava entendendo, pois não tem idade para saber que aquela bunda era uma

Esperando o Outono

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Cadê o outono que não veio? Creio estar muito quente debaixo da linha do Equador, assim com aqui em cima. A exuberância da estação no ano passado parece que não vai se repetir. Que triste! Cadê o Halloween que ainda não veio? Os americanos estão mais tímidos na decoração talvez pelo mesmo motivo: faz calor para o fim de outubro. Os dias ainda estão muito claros. Americanos não gostam de não viver as estações muito bem definidas. Acho que eles perdem o pique. Falando nisso, estava numa ressaca de cansaço terrível. Passei o dia meio escorada pelos cantos, arrumando a casa com desleixo.  Daí, resolvi sair com a Frida para apreciar mais um indiscutível fim de tarde magnífico.  Caminhar e fotografar curam estados sombrios d’alma...

Gun situation

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Os americanos vivem em perene luto pelos recorrentes massacres causados por armas de fogo. Talvez por serem tão frequentes, a sociedade americana não consiga sair do primeiro estágio do pesar, que, segundo a Psicologia, é o da negação.  Eles se recusam a enxergar a relação direta entre os assassinatos em massa e a premissa constitucional que dá direito ao cidadão de portar armas.  A afirmação do presidente dos EUA sobre o ataque de ontem, de que não se trata de uma "gun situation", reflete o pensamento de boa parte da população. Provavelmente, a maioria dos mortos e feridos na igreja da pequena cidade do Texas também compartilhava da mesma forma de pensar: portar armas é um direito individual inviolável! Trump não foi eleito à toa, certo? Me parece óbvio que alguém que comete assassinatos em massa sofre de algum tipo de distúrbio mental ou é um sociopata. Todavia, se esse indivíduo não tivesse acesso quase ilimitado à compra de armas, o estrago soci

Goodbye, good Education!

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Open School... Engraçado o ano letivo começar de ponta à cabeça para nós, nativos do hemisfério sul. A qualidade da escola, do staff e, principalmente, dos professores das escolas públicas de NY sempre me deixam boquiaberta. E agora com uma dor no peito. Romulito vai perder tantas coisas bacanas que serão feitas ao longo do quinto ano.  São passeios, atividades extras como aula de música, aula de instrumento (a professora nos disse que ele está muito bem no clarinete, vamos manter as aulas no Brasil), coral, laboratório, mad science, biblioteca interativa linda, onde aprendem a pesquisar em livros, online além de serem apresentados à grande literatura.  Falando nisso, Tomás tem aulas sobre Shakespeare e outro dia estava lendo um conto de Tchekov. No Brasil, nos limitamos a ler literatura brasileira e portuguesa. É provinciano.  Nas classes de Arte, o professor vai trabalhar Picasso e George O’Kiefe! Quase ri, pensando que só conheci a artista já adulta e velha! Kk

My dear raven

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Sou admiradora do escritor Edgar Allan Poe. Lembro da alegria de ganhar da mamãe uma adaptação infanto-juvenil chamada “O Gato Preto e outras Histórias”. Foi o primeiro livro sobrenatural e de mistério que li na vida. Me apaixonei pelo tema. E também pela escrita dele. Poe foi o primeiro autor da Literatura a escrever uma história de detetive: “Os crimes da Rua Morgue”, conto que inspirou Conan Doyle a criar Sherlock Homes. Pois esse genial escritor morou os últimos três anos de sua vida numa humilde casa na região rural do The Bronx do idos 1800 e poucos. Era bem pobre, apesar de “O Corvo” ter feito relativo sucesso.  A mulher dele, Virgínia, que era sua prima em primeiro grau, morreu de tuberculose na cama que ainda está lá. Na minúscula sala de estar, Poe escreveu “O Barril do Amontilado” e outros textos importantes.  Devastado pela morte da companheira de 20 anos, ele sucumbiu em circunstâncias misteriosas (envenenamento, raiva canina, cirrose avançada?) trê

Painted Post

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Hoje, no pocket show de jazz, relembrei do nome dessa cidadezinha que, infelizmente, não visitamos em nossa road trip até o Canadá. Parece que jazz é bom tanto para dar sono quanto para emergir ideias viajantes:  Ela chegou a Painted Post numa manhã de verão. Encontrou pessoas esmaecidas nas praças, estátuas de si mesmas em atitudes cotidianas. No canto esquerdo da cidade, uma mancha de café tomava boa parte da rua principal. O céu, antes cobalto, o tempo levou. Entretanto, as flores do canteiro primaveril, defronte à escola elementar, resistiram em tons vermelhos e alaranjados. Painted Post permanceu alijada de sua própria densidade. Cristalizou-se na parede pintada como musa do artista. E, assim como anunciou-se intrigante na sinalização da rodovia, retornou à querida inércia das memórias de viagem não feitas.

Alzheimer intelectual

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Andrea Mantegna, The Lamentation over the Dead Christ A elasticidade da mente humana é deslumbrante na mesma proporção em que a sua limitação é tenebrosa.  Segunda aula de "As grandes obras da História da Arte". A tensão se instala antes da classe começar, do lado de fora. Professor e uma das alunas batem boca. Será que estou fadada a ver gente criando cabelo em ovo nos EUA e no Brasil? O Alzheimer intelectual está se espalhando mais do que a peste bubônica na Idade Média. Helllp!!! A questão é que o professor, muito bom por sinal, está, desde a primeira aula, tentando fazer uma linha do tempo artístico, englobando os primórdios, como as pinturas rupestres encontradas na caverna de Chauvet (França). Entretanto, uma parte considerável da turma não vê como "grande" esse tipo de representação artística e outras mais que ele segue debatendo na sala de aula. A discussão volta a ficar feia quando John Coppola exibe umas iluminuras maravilhosas d

Numerologia

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Nova Iorque e seus encontros improváveis, a babel de culturas e línguas... Quando iria imaginar fazer parte de um quinteto croata, alemão, chinês e japonês. Agora desfalcado, pois Akiko, a japonesa, voltou para Tóquio e Marija, a croata, também retornou ao país dela. Nova Iorque é assim: o eterno chegar e partir... As pessoas se cruzam, se gostam e torcem para um dia, quem sabe, se esbarrarem novamente em alguma esquina do mundo. Mas ontem almoçamos Peggy, a alemã - nascida na parte oriental comunista - e Sophia, a chinesa, que na verdade se chama Ying, e yo. Nos reencontramos no Westchester Community College, onde nos conhecemos e passamos mais de três horas almoçando e conversando num inglês de sotaques diversos. Os papos foram da política na Alemanha e Brasil às superstições dos chineses acerca dos números. Os chineses não gostam do número quatro, pois o caractere (grafia/símbolo) do quatro é igual ao símbolo da morte. Ying nos contou que quando viu o código te

Amigo Imaginário

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"He walked toward the corner, thinking little at all about nothing in particular."  (Ray Bradbury in Fahrenheit 451) Na juventude, ao contrário da maioria dos jovens, eu ia para cama cedo. Às dez da noite já estava lendo o meu livro de cabeceira. Veio a maturidade e os filhos com toda a fuzarca de atenção, barulho, ordens, brincadeiras, sermões e demandas emocionais e físicas que a vida familiar impõe. Fui me tornando mais noturna, apesar de ainda ser uma pessoa de relógio biológico matutino. Minha energia criadora geralmente acontece pela manhã, mesmo que conviva com a marvada insônia há tempos. Entretanto, não pensem que aprovo o horário de verão. Ele penaliza os mais pobres, obrigados a acordar no breu da noite alta a fim de enfrentar frio e medo rumo às paradas de ônibus, trens e metrôs. Sinto que é um fardo a mais para boa parte da população, agravando a lista de nossas injustiças sociais absurdas. Mas, voltando ao ponto inicial dessa

"To educate and inspire all students..."

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Quem me acompanha no FB e também no blog sabe que não sou admiradora devotada do American Way of Life, muito pelo contrário. Acredito que os americanos poderiam levar uma vida muito mais plena e alegre diante da grandeza natural e estrutural do país no qual nasceram. São inegáveis as belezas da Natureza, bem como das criações humanas desse território bem cuidado, organizado e seguro chamado Estados Unidos da América. Todavia, os americanos são duros, pouco flexíveis com os outros e consigo mesmos. Vivem numa teia neurótica de vilões que a sua indústria cultural reforça a cada novo filme de Hollywood: é medo de terroristas; de psicopatas, de pedófilos; de franco-atiradores; de insanos com uma arma na mão (de fato, o único medo que realmente deveriam ter, uma vez que estimulam e liberam o uso de armamento por quase quem quer que seja).  Negros e brancos seguem se aturando numa convivência paralela forçada. Caminham lado a lado, porém não se esbarram, não se tocam, nã

Macunaímas e Jecas-Tatus

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Revoltante saber que a população de Mariana/MG discrimina e marginaliza as vítimas do desastre da barragem da Samarco. Chamam os antigos moradores de Bento Rodrigues de vagabundos porque recebem um cartão, espécie de auxílio-alimentação, uma esmola, enfim, por ter tido suas vidas rurais ceifadas violentamente.  Mineiros contra mineiros. As crianças de Bento começaram a ser perseguidas nas escolas. Estigmatizadas com a pecha de “pé de lama”. A prefeitura teve de transferir todas elas para um espaço específico em face das perseguições. Depois a brasileirada gosta de bater no peito e dizer que é gente boa, que é cordial, que é hospitaleira.  A ignorância do brasileiro é tão desmesurada! Como fazer entender que essas vítimas já teriam sido indenizadas em milhões se o Brasil fosse digno? O povo de Mariana está com inveja de um auxílio-alimentação? Mediocridade nauseante!  Nunca fui ufanista. Nunca achei que o melhor do Brasil é o brasileiro e outros orgulhos sem razão d

Swan Lake

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Posso ir embora para o Brasil mais feliz! Apresentação magnífica de O Lago dos Cisnes, com variantes interessantes do balé que já havia visto com o American Ballet Theatre. O NY City Ballet teatralizou alguns pontos e fez um final, na minha opinião, mais poético. Nada de salto para a morte. Odette simplesmente voa junto com seu bando, eternamente cisne... Vocês sabiam que Tchaikovsky criou a história com final feliz e que a primeira apresentação de Swan Lake foi um fracasso total? Só depois da morte dele é que a história foi modificada para o final trágico que é o clássico dos clássicos até os dias de hoje. A orquestra fez um show à parte! Estava radiante, perfeita! Dava pra ouvir cada instrumento com muita limpidez e harmonia... A composição de Tchaikovsky merece esse carinho, né? Debulhei algumas lágrimas... Chorar de beleza é uma alegria!

Protossentimento

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Viajava com mamãe pela rodovia quando avistamos uma cidadezinha que bem era a mistura de Inhumas, São Jorge e Alexânia. Dona Maria vai até um vendedor ambulante de pamonhas, mas chamo ela de lado e digo: - Não, mamãe, vamos ver se a gente acha uma pamonha de verdade!  Abro o Foursquare e explico pra ela como funciona. O primeiro restaurante da lista se chama "Goiabeira Linda". A página se abre e surgem dezenas de fotos da tia Belina e da prima Tiana saboreando, com gosto, muitas pamonhas fumegantes. Aí a gente já está a pé procurando o tal do Goiabeira Linda, que mamãe afirma saber onde é. Caminhamos um pouco, mas mamãe se perde. Então paramos à sombra de uma árvore rente a um muro. Começo a ativar o Google Maps quando mamãe reclama: - Tô apertada, preciso mijar! - Ai, mamãe, que mania de falar mijar, coisa feia! Como é que a gente vai pra Europa de mochileiras se a senhora não aprender a fazer xixi em qualquer lugar? Por que não fez lá

Urbanas

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1 - Para variar, esqueci o mapa Então você pensa: a cor é igual, o trajeto é igual... Daí pega a linha D uptown ao invés da B. Assiste impotente à sua estação de descida ficar pra trás na velocidade da luz e a composição seguir veloz e expressa deixando a ilha de Manhattan e seu encontro com as amigas cada vez mais distante. Você se desespera: agora só para em Coney Island, fim da linha, puta que o pariu! Mas antes que a sua mousse de abacate vá para o brejo nesse calor insano, o trem para na 125st. Ufa, ainda estamos na ilha! Resta voltar pela B até a 81st... Jecar na Big Apple é preciso! 2 - Small talk on the sidewalk - Is it a lion?, perguntou a voz de barítono gospel às minhas costas. - A lion and a bull?, insistiu. Demorei, mas saquei que era comigo que o cara falava. Diminuí o passo e olhei pra trás. - Yeah, they are my sons... O cara fez uma expressão "não entendi nada", então prossegui: - In the zodiac one is lion and the other i

Maribel

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O clima no estado de NY pode variar alucinadamente de um dia para outro. Ontem, 30 e tantos graus. Hoje: 21 de máxima e chovendo. Passei em frente da Good Will Store e me deu vontade de checar a bugigangas. Fazia tempo que não entrava no gigantesco brechó que tem de tudo um muito. Maneira divertida de gastar tempo até buscar Tomás no Avid Summer Camp. Quando terminava de pagar meus garimpos, uma hispânica me perguntou as horas em espanhol. Eles sempre acham que eu sou hermana com esse fenótipo inca-maia-tupi-guarani... Respondi na língua nativa dela, mas ela seguiu me olhando com um ar de cachorro que caiu da carroça. Abria a porta do carro quando ela teve coragem de perguntar: - Você está indo para onde? (em espanhol, claro). Levei alguns segundos para reprogramar o cérebro a fim de não responder em inglês. - Você não fala espanhol, né?, sacou. - Sí, yo soy brasileña, hablo portugués. Pero puedo hablar español también. Ela me pediu uma caro

A primeira década do leão

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Hoje acordei com a mensagem do meu primo-irmão que dizia: "seu leãozinho cada dia mais ão e menos inho".  Verdade, a vida anda pra frente e ele completa uma década. Ao menos, como todo felino, ainda curte um colinho, uma coçadinha nas costas... Romulito pirulito, Sherlock Rômulos, Menino Maluquinho... Garoto de múltiplas facetas, todas elas desafiadoras e instigantes. Queria ser capaz de compreender toda a amplidão desse ser que saiu de mim com uma bocona aberta, rugindo poderoso. Dez anos de aprendizados incríveis, boa parte deles acompanhados por vocês por meio das perguntas e conclusões desconsertantes que já leram aqui no FB. Romulito é fogo, é paixão. Sabe fazer confusão como ninguém! KKKK! Mas também é pau pra toda obra, sempre pronto para aprender e colocar a mão na massa! Energia pura, solar, furacão. Tem muito de mim nas estrepolias, no amor pelos cavalos, no despachamento. Tem muito do pai na vocação para os problemas complex

Vida em estado de alerta

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Quando todos os trabalhadores braçais resolvem estar a pleno vapor em sua rua e você chega desavisadamente com a roupinha fitness da caminhada... Ser mulher, às vezes, é muito cansativo. Sem contar que você nunca está totalmente à vontade na bela trilha/ciclovia quase deserta e cercada por intensa vegetação nativa.  Hoje, meus filhos assistiram a uma reportagem sobre violência contra a mulher no Brasil que o telejornal Hora Um transmitiu. Eles entenderam o significado de feminicídio, conversamos sobre o assunto. Acho que é assim que as relações de gênero vão evoluir para um patamar civilizado. Mas não já, não daqui a pouco, quem sabe daqui a uma década? Sei não. Enquanto isso, as mulheres buscam a liberdade, mas a sombra da vulnerabilidade lhes turva o espírito, diariamente.

Borderline

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Aproximamo-nos da fronteira Canadá-EUA com uma certa tensão, afinal, como falei anteriormente, os americanos são noiados, repressores.  O agente na cabine foi, como os oficiais costumam ser, áspero e nada amigável. Fez várias perguntas, insistiu muito comigo e olha que tenho um visto menos chinfrim, J2. Queriam saber se eu tinha pedido outro tipo de visto, se estava trabalhando ou estudando, se tinha pedido visto no Canadá... Mandaram a gente encostar o carro e descer para responder mais perguntas no escritório da fronteira. Lá, só eu fui chamada para responder mais questões desconfiadas e hostis. Até o momento em que falei que voltaria em dezembro para o meu trabalho na Suprema Corte no Brasil. O funcionário me olhou pela primeira vez nos olhos e rosnou: - Do you work at Supreme Court? - Yes! Ele passou a me tratar como um ser humano naquele momento. Dois minutos depois, liberou a gente.

Maple heart

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Aproveitamos Ottawa até o último segundo. Vontade de ficar mais um bocadão... O Canadá corroborou a minha teoria de que é possível viver num país civilizado, porém mais leve.  Os americanos são tão patrulhadores e reprimidos, não me sinto em casa lá. Me senti aqui, onde falar um inglês com sotaque latinizado não te enquadra como um imigrante que "veio ferrar o meu país". Você se mescla no meio das várias culturas e da bilinguidade que molda a convivência, tornando-a mais flexível, mais simpática, mais descolada. O Canadá abarca muito bem o espírito do velho mundo com a alma contemporânea.  As cidades têm parquinhos com areia de verdade, abertos, não cercados como os americanos que, pra piorar, ainda estampam regras policialescas que intimidam a criança a não se divertir.  O país é essencialmente jovem. Os vendedores são simpáticos, not pushing como os americanos. Os imigrantes daqui me pareceram viver menos infelizes do que os imigrantes nos EUA.

Fraternidade Assunção

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Presentinho que ganhei da irmã Nena aqui nos EUA "Família, família, cachorro (dezena de raças e vira-latas), gato (vários), galinha..." (muitas, centenas, incluindo cocás, patos e perus) e irmãos, no meu caso, também muitos: cinco. Engraçado os Titãs não terem citado irmãos nessa equação familiar, pois eles são o que de fato fazem da família uma grupo em perene renovação de laços e neuroses. Mana Marisa partiu ontem à tarde. Mulher de sorte: desde ontem à noite não temos água quente no prédio. Dormimos fedidos.  Irmãos... A temporada americana tem me presenteado com muitos aprendizados e novidades, mas talvez a mais profunda seja ter tido a oportunidade de conviver intimamente com duas irmãs. Livre das balbúrdias e distrações das festas de aniversários, dos maridos, dos sobrinhos, dos netos, dos Natais e Dias das Mães, dos problemas do Brasil. Éramos apenas elas e eu. Primeiro, Marilena, a mais velha, com quem já havia tido outros momentos de fraterna companhia,

Backwarding

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Por causa de um episódio do Masterchef no qual os concorrentes foram desafiados a preparar torteletes de frutas, voltei ao passado na 715 sul, tentando me lembrar do nome da negra que falava português de Portugal e vendia tortinha de morangos e suspiros de tirar suspiros da garotada. Ela morava na casa bem em frente da casa da minha tia Leila, na parte superior da quadra. Passávamos dias e dias juntando moedinhas para poder comprar as tais delícias.  Mandei um zap para Leila, ela deveria se lembrar do nome da quituteira que, se não me engano, tinha vindo de Angola. Sim: dona Natalina! Para a criançada era um Natal de sabores aquelas tortinhas delicadas e vermelhinhas, num tempo em que morangos eram iguarias caras e raras.  De dona Natalina para as outras figuras diferentes da 715 sul foi um passo. De repente, me lembrei do amigo do meu irmão Eduardo que só vivia de calção de banho, se exibindo para quem quisesse ver... Era uma estátua de sunga amarela no meio do gramado

Acumuladores

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Quando bebês, meus filhos corriam à janela ao ouvir o estardalhaço do caminhão de lixo. Fascinados, espichavam os bracinhos para serem alçados ao colo e, assim, apreciar o trabalho intrigante dos lixeiros que, com truculência, arremetiam tudo o que viam no caminho naquela bocarra faminta e barulhenta. Parece que a admiração não arrefeceu para o garoto: saiu desenbestado escada afora, a fim de chegar em tempo de ver mais de perto a rotina dos que nos livram dos indesejáveis dejetos desse mundo devorador de coisas e pessoas... Qual foi o meu espanto quando vi o buraco negro engolir o jogo de sofá em segundos! Estados Unidos, maior consumidor de bens materiais do planeta. A nação na qual os guarda-volumes (storages) são parte fundamental da cultura. Todavia, o revés também vale: como desperdiçam! Dispõem de tudo sem piedade! Logo mais à frente, lá se foi para nunca mais o estrado e as cabeceiras de uma cama! O lixeiro, percebendo o horror da dona de casa na varanda,