A verdade sobre os cometas





Os cometas são feitos de gelo. Por fora queimam, resplandecem, mas por dentro são frios, indiferentes. Assim devem ser os psicopatas que tanto intrigam a criminologia e a psicologia. Não dizem que eles são sempre sedutores? No passado, cometas eram sinais de maus presságios. No presente, são as abominações que nos espreitam e aterrorizam. Ninguém está livre de cruzar com um cometa-humano pronto para lhe exterminar. 

Assim deve ser aquele publicitário que matou o zelador em São Paulo. Exteriormente um cabeludo que teria criado campanhas alegres, delicadas, doces? Em contrapartida, sombrio na alma que foi capaz de enfiar um senhor esquartejado dentro de uma mala por causa de picuinhas. 

Quem guarda muito rancor pode estar se transformando num cometa. Aos olhos dos outros, muito luminoso, sorrisos afáveis, convivência pacífica. Na frente do espelho, um ser que vocifera contra tudo e todos e recolhe nas gavetas da memória cada passo em falso que outra pessoa tenha dado em sua companhia. 

Não sabia que os cometas eram feitos de gelo. Me deu medo. A gente é tão atraída por quem tem luz própria. De uma hora para outra posso ser uma psicopata pronta para agir sem remorso e ainda não ter me dado conta do meu potencial homicida. Talvez goste tanto dessas séries que analisam as mentes de monstros por ansiar encontrar o traço de monstruosidade dentro de mim. 

Minha irmã disse: “você com esse jeito de trator de esteira sobre campo de alfaces”. Exatas palavras exatas. Posso, então, me tranquilizar, pois os assassinos frios são geralmente cordiais e inofensivos em gestos e atitudes. Psicopatas agem com simpatia de giz. A afirmação de Marilena libertou meu coração do buraco negro da dúvida. 

De qualquer modo, vale não acumular tanta escuridão na alma. Quem o faz corre o risco de se perder no breu. Envenenar o espírito com pequenas maldades diárias molda o caráter e depois não se reconhece mais a pessoa que se foi. Tenho irmãos que caíram na armadilha da desumanização. 

Outros há que já nasceram desumanos. O que fazer além de manter distância segura? Contudo, não é fácil detectar esses cometas de berço. Fulgurantes, atraem suas vítimas pela gentileza do escorpião que ferroa o sapo e depois diz: “não tenho culpa, é a minha natureza”. 

Mas, atenção! Alimentar ressentimentos e projetos de vingança é um infalível modo de vir a se tornar um cometa Halley (coitado do Halley, um cara tão solidário, tão inteligente e preocupado com o universo). Um cometa, ponto. Sem nome. 

Boa parte desses assassinatos patéticos e inacreditáveis que escorrem dos jornais brota de pequenos desentendimentos diários. Serial killers são poucos no mundo, graças a Deus. A maioria dos humanos que consideramos legais tira a vida do outro pelo clássico motivo torpe, banal. Portanto, vamos nos salvar e salvar o que pudermos ao nosso redor. Compreender e aceitar mais do que esperamos que nos compreendam e nos aceitem, e por aí vai. 

E me interromperam tantas vezes ao longo do pensamento que confesso não ter ideia do que pretendia dizer com tudo isso. Quem sabe só espalhar o “meu coração geleia que é amor puro, genuíno” pra vocês. E isso não sou eu quem afirma que trago no peito, porém a irmã citada ali em cima.




Comentários

  1. Realmente, Luciana.

    Guardar qualquer tipo de sentimento negativo é um perigo, não somente para os outros, mas para si mesmo. A lei da atração é implacável e quem sintoniza no mal, vai atrair para si somente situações desagradáveis.

    Acabei de ler um romance espírita que tratava exatamente deste tema. A personagem não era má pessoa, mas estava sempre sintonizada com o negativo. Sabe aquelas pessoas que assistem tanto noticiário que vivem com medo de serem assaltadas?

    Foram três décadas vivendo assim, até que o inevitável aconteceu. Ela atraiu para si um estupro seguido do HIV positivo.

    Veja, não estou dizendo que todo mundo que passa por uma violência ou por uma doença grave atraiu o problema.

    Cada caso é um caso...

    Mas eu reconheço que vivo tendo que lutar contra uns pensamentos mesquinhos que ficam me incomodando.

    Não custa tentarmos vigiar nossos pensamento e nos sintonizarmos no bem. Afinal, só o bem é real!

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  2. Ah! Acabei de sair do blog e dei de cara com um texto do Zuenir Ventura que trata exatamente destes cometas humanos... Se quiser conferir acesse:

    http://oglobo.globo.com/opiniao/a-onda-de-mau-humor-12711348

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  3. Gostei Lu, principalmente pela sua proposta pessoal de "se salvar de ser um cometa humano". É o que estou procurando fazer o tempo todo. O entendimento dessa necessidade foi o que mais me marcou em seu texto e talvez a melhor resposta que eu poderia ter de você (sensibilidade e amadurecimento, aprendizagem, processos que devem ser contínuos e ultrapassa vidas, segundo os espíritas...).

    Forte abraço,

    Marilena.

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  4. Nossa, Lu, verdadeiro, tocante. Amei, simplesmente. Eu também tenho que me policiar. Aliás, há muito venho pensando nisso. Eu sou daquelas que (também) alimenta os pequenos ressentimentos do dia. Para completar, no mundo virtual somos reduzidos a palavras escritas, que não trazem consigo a entonação, o jeito, a pausa da palavra dita ao vivo. E também me ressinto com os amigos na rede. E isso aumenta o rol de ressentimentos diários, que vai me levar sei lá pra onde. Valeu pelo alerta, valeu pelo ensinamento, enfim, valeu pelas palavras! Adoro quando você toca nesses assuntos. Já te disse, neles não tem pra ninguém, só vc...

    Bjss,

    Ana Cláudia

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  5. Que coisa boa ler que seu itinerário foi confirmado com a comunicação porque já escrevia desde alfabetizada.
    Ah, o mar... temos isso também em comum, caríssima Xará. Em espanhol o mar é masculino na geografia e feminino na poesia. E vai que os peixes saibam ainda mais que golfinhos e acabem (ou comecem) lendo lá do mar as tuas belas palavras como na telepatia do Aquaman... O teu jeito de escrever combina demais com a água do seu blog.
    Teu texto, as fotos com a família (lembrei de algumas que vi o físico, com ar de tranquilão e gente boa e os filhotes que parecem ter herdado inteligência e sabedoria dos pais)...
    Tudo isso me veio à mente ao ler esse texto que me postou e tive a sorte de receber... Tratou da violência com uma habilidade apaziguadora... Me senti leve e aliviado depois de lê-lo!

    Forte abraço, Xará!

    Luciano

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