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Mostrando postagens de maio, 2014

Parábola verde e amarela

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Os críticos severos da Copa dizem que ela não deixará nenhum legado. Prefiro ser um pouco mais otimista – e olha que esse exercício de Pollyanna é difícil para uma zangada como eu – e acreditar que deixa, sim. Esse legado já está bem diante dos nossos olhos. E se traduz nas flechas lançadas pelos primeiros habitantes dessa terra abençoada, porém descrente.  Assistir aos índios retomando seu território, ainda que de forma simbólica, é ver o povo brasileiro tomando consciência de si mesmo. Demorou, estamos atrasados há pelo menos uns 100 anos, mas a fagulha de nação acertou em cheio o coração. Depois de 2013, depois da Copa, nunca mais seremos fragmentados como outrora. Assim espero.  O legado da Copa é o pessimismo que assola a população, acompanhado da rebeldia jamais experimentada por um povo culturalmente procrastinador. Esse cair em si de nossa condição patética. De que ainda somos inúteis (a canção do Ultraje a Rigor nunca foi tão atual). Porque na década de 80

Praxis

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"Ficaria mais atraente se eu o tornasse mais atraente.  Para escrever, porém, tenho que prescindir.  A experiência vale a pena  - mesmo que seja apenas para quem escreveu." Clarice Lispector “Na prática, a teoria é outra”. “Na prática, a teoria é outra”. “Na prática, a teoria é outra”. De tantas frases interessantes, essa foi a que grudou na cabeça ao dar cabo de “Fim”, de Fernanda Torres. A obra é bem a minha cara: melancólica, mordaz, mórbida, lírica, inconformada e patética, como a insônia que me assola há mais de década e já virou tema corrente de debates entre os caros amigos.  Todo mundo se solidariza, se apieda. Não faltam as dicas de sempre. As boas intenções... Mas, como afirma Ciro, uma das personagens de Fernanda, “na prática, a teoria é outra, outra, outra...”  “Se você se mudar pra cá, quem sabe dorme melhor...”, disse com meiguice Geysa, cuja casa é encravada nas reentrâncias do fim do mundo brasiliensis. Um lugar tão distante do

Contra todos os males

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Sexta vadia Sexta vazia Sexta macia Poesia bissexta Sexta tardia Sexta Maria Sexta chovia Poesia na cesta Sexta jazia Sexta família Sexta neurastenia Poesia contrafeita Sexta luzia Sexta maresia Sexta fantasia Poesia esteta Sexta macabeia Sexta plebeia Sexta geleia Poesia panaceia 

Em nome dos Pais

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Para Bernardo, Rodrigo, Daniel, Mário e Paulo Magno O mês de maio tão maternal, tão mariano, tão casamenteiro. Os textos sobre a divindade da maternidade pipocam nas redes sociais e aí a gente percebe, não sem um puxão de orelhas de pais ciosos, que nós, mães, somos muito autocentradas e possessivas. A gente se acha, né não?  Repassando um texto sobre o tema “quando nasce um bebê nasce também uma mãe”, recebi respostas indignadas de alguns papais. Dentre eles, do meu sobrinho - que será pai pela segunda vez - e do meu marido, um pãe (veja como as mães são egocêntricas, pois um pai presente é logo apelidado de pãe). Ambos reclamaram do unilateralismo desses artigos que mostram a mãe como o único ser devotado e por que não, sugado, pelo furacão chamado criação de filhos.  Ora, o sentimento é recíproco, eles afirmam. E eu acredito. Mas, assim como as propagandas de sabão em pó e elétricos domésticos ainda são extremamente machistas, os textos e propagandas sobre fil

Alma Tísica

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Acho que gostaria de ser mais frágil. A todo momento cruzo com espirros, tosses, colegas de licença-médica por causa de sinusites, bronquites, gripes, alergias múltiplas. Sei lá, queria sofrer de enxaqueca pra ser bem mulherzinha. Labirintite ou de dor na lombar: mega fashion. Ou talvez de endometriose, miomas, ovários policísticos, cólicas menstruais excruciantes, hipo/hipertireoidismo e outras enfermidades tão comuns ao gênero feminino.  Mamãe não passou açúcar em mim, é verdade. Mas alguma coisa deve ter acontecido naquela pneumonia que me acometeu antes de 1 ano de idade. Os antibióticos deviam estar adulterados por algum programa clandestino do governo que testava novas armas bioquímicas. Ou teria sido uma superdosagem de sustagem que dona Maria me obrigava a tomar diariamente durante a primeira infância? De qualquer modo, depois de quase morrer, me tornei quase invencível.  Às vezes, sinto-me como a personagem do Bruce Willis naquele filme bobo do Night Shya

Baião de ‘duas’

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Não é propaganda de Sazón, mas elas afirmam que o segredo de tudo é o amor. “Sou só uma mera dona de casa”, garante Maria Célia. Mas não se engane: é tudo falsa modéstia! Maria Célia é reconhecida por todos os colegas da Coordenadoria de Originários (CPRO) como mestre-cuca pra ninguém botar defeito. Secretária da unidade há pouco mais de um ano, a terceirizada é intimada pela equipe a fazer o BOLO dos aniversariantes do mês. “Eles pedem de baba de moça com morango ou de nozes com doce de leite, sempre!”, entrega, orgulhosa.  O mesmo acontece com Divina, da Coordenadoria de Protocolo e Informações Processuais (CPIP), apontada pelos companheiros de trabalho como a dona do melhor CACHORRO-QUENTE (100 pães às vezes é pouco) do planeta, sem falar no ARROZ INTEGRAL com muito tempero. “Quem come, ama! Nem diz que é integral”, revela a terceirizada que, entre os atendimentos telefônicos, triagens de correspondência + protocolos de petições do Ministério Público, costuma tornar o a

Decreto

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Blocked. Não black blocks, blocked. O medo paralisa. O medo desse Brasil que está se olhando no espelho e refletindo sua incivilidade diária. O que foi aquele linchamento no Guarujá? As pessoas querem despedaçar os políticos, mas na impossibilidade de alcançá-los com a ira dos desalmados, despedaça quem tiver à mão?  Cortaram as matas de galeria da minha nascente, que seca. Não consigo pensar em nada poético pra escrever quando queria brindar o mundo com um bocadinho de beleza. A felicidade no rosto do porteiro saboreando a pamonha feita pela sogra. A criança que acorda e caminha sonâmbula para o banheiro. A foto enviada pela prima eternizando o lanche da tarde farto de guloseimas e afetos familiares ao tato, paladar e toque ancestrais.  Bloqueio criativo existe, afinal. Sofro para preencher a página em branco com letras fonte calibri tamanho 11. Não consigo tirar o teaser paralisante do meu peito. E se... E se... Quando deito a cabeça no travesseiro se aninha a dese