Contradigo-me, logo existo!



“O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.”
(Fernando Pessoa)

Existe uma marca em SER humano que pouca gente admite, mas tem: a incoerência! O que mais rola por aí é homo sapiens dizer uma coisa e fazer outra. Pregar um discurso e, na prática, plagiar o do vizinho. Afinal, a grama dele é sempre mais verde, né? 

Ontem, no elevador, a moça entrou e fez o sinal da cruz, claramente desconfortável frente à possibilidade da geringonça levá-la ao fundo do poço (como se precisássemos de meios de transporte verticais para tanto). Pra quê entrar no 1º andar se era para saltar no térreo? Incoerência sofrer à toa, gente! Preguiça maior do que a fobia... Pelo menos, assumo que, se desse pra atravessar o Atlântico de carro, jamais pegaria outro avião na vida. 

Mas incorro na incoerência todos os dias. Por exemplo: pretendo emagrecer sem abrir mão do chocolate; quero publicar um livro sem correr atrás de nenhuma editora. Ou mais grave: faço as pessoas acreditarem que não quero receber telefonemas/mensagens de parabéns pela passagem do meu aniversário, mas, claro, evidente, óbvio que adoro ser paparicada! 

É que os leitores, as gentes em geral, são inocentes. Não sabem que o poeta é um fingidor! E olha que o Fernando Pessoa vem alertando a galera sobre a faceta mais incoerente do escritor desde 1900 e bolinha! Pois bem, quem escreve gosta de testar hipóteses pra ver se colam, chocam, emocionam, propagam, viram boas ideias que, oxalá, darão vida a um romance premiado com um Jabuti. 

De certa forma, o escrevinhador é um cientista. Um investigador do objeto de pesquisa fundamental: o leitor, esse espelho. O astrônomo-star Carl Sagan dizia que a humanidade tem uma tendência à autodestruição e, portanto, a Ciência seria o caminho para salvar as pessoas da subjetividade natural, sempre passível de erro. 

Os escritores e as demais tribos artísticas são autodestruição e reconstrução em si. A nossa ciência está na hiper exposição de fingir publicamente que somos o que não somos, mas deixando muitas pistas de que, sim, há muito de nós mesmos em cada criação. Por isso, a gente futuca igual manicure na unha encravada. Provoca, lança um tema e corre o risco diário de maltratar o coração alheio e o próprio. Tudo é estudo, análise e autoanálise. 

Eu gosto do Carl Sagan. Amo quando ele afirma que somos feitos de poeira de estrelas! Portanto devemos olhar o céu e nos reconhecer como parte do cosmos. Amo também pensar que, seguindo essa teoria, os átomos que forjaram minha mão esquerda são diversos daqueles que formaram minha mão direita. Ou seja: somos constituídos por uma colcha de retalhos cosmológica. Cada florzinha veio de um asteroide; cada xadrez de uma constelação... 

Veja o tamanho da poesia contida nesses desdobramentos teóricos de Sagan! E todo esse papo de abandonar a subjetividade... Sei... A Ciência não explica a incoerência humana. Mistério maior do que responder objetivamente: há vida em outros sistemas? Ah, meu cientista-star incoerentemente incandescente!


Comentários

  1. Belo texto, cheio de coerências...adoro saber que tem texto novo fresquinho assim.
    Namastê!
    Cynthia

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  2. É... eu já tinha percebido que seu alter ego de escritora é bipolar... (risos)

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  3. Oi Luciana,
    Que saudades! Fico muito feliz cada vez que recebo seus textos no blog. Adoro! Você escreve muito bem e eu rezo para que um dia seu talento seja reconhecido.

    Beijos,

    Tânia.

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  4. Puxa, garota, que texto legal!

    Tô aqui atualizando um pouco as leituras do seu blog e veio este.
    "Ontem, no elevador, a moça entrou e fez o sinal da cruz, claramente desconfortável frente à possibilidade da geringonça levá-la ao fundo do poço (como se precisássemos de meios de transporte verticais para tanto)." Hahaha, adorei!
    De fato, a maior incoerência humana é tentar fazer da vida uma experiência coerente. Melhor brincar e recriar em cima desse devaneio.

    Beijos e saudades. Trouxe seu presentinho de Trancoso. Vamos marcar algo.

    Isa

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  5. Sempre MARAVILHOSAS E POETICAS PALAVRAS!!!! Bela cientista essa escrivinhadora!!!!! Pegou meu coração de jeito!!!!!

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  6. Adorei! Também adorava quando Carl Sagen falava romântica ente do Cosmos.
    Eu gostava de pensar que os átomos que hoje estão no meu corpo já fizeram parte de aves, montanhas e de pterodáctilos.

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