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Mostrando postagens de outubro, 2013

Presente!

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Para Patty, Giovana  e Carmemcita Sextas, sextas, gosto tanto de sextas-feiras que meus dois filhos escolheram nascer em sextas-feiras encantadas... Imagino cestas transbordantes de pensamentos gordos: sorvetes, cremes brûllées, mousses de chocolate, morangos, silvestres, selvagens...  Sexta é dia de andar a pé pela cidade e cheirar suas verdades. Sexta é dia de fotografar o céu de brigadeiro, as nuvens de algodão, a grama de alface fresquinha colhida da horta orgânica. Sexta é dia de Shabbat, que começa no pôr-do-sol (esses judeus sempre espertos). De ouvir canções que elevem o espírito ao astral máximo do júbilo.  De voltar ao passado e relembrar coisas boas. Dar de cara com o consultório da médica que fez o parto do seu primeiro filho e ter vontade de dizer olá pra ela, que nem deve saber mais quem você é. Ao contrário de você, que lembra até das palavras que ela disse, pois nascimento de filho é sempre inesquecível nos mínimos pormenores que você revive quando p

Natureza morta?

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Ela flagrou a morte da flor. No momento em que abriu a porta do apartamento, lá fora chovia, era noite. A flor morreu na frente de seus olhos cansados. A espádice amarela saltou da proteção do manto branco para o vazio, como se pulasse de uma ponte. Um leve barulho oco sobre o centro da mesa e o lírio do Nilo tombou, sem vida. O copo de leite derramado...  A moça correu a acariciar a elegante calla branca recém-falecida. Era a primeira vez que aquela casa recebia uma flor daquele porte: alva, misteriosa, empertigada. A sala ganhara uma suavidade nunca imaginada. Teria sido seu olhar cansado pousado sobre a flor a causa de sua morte súbita? Mau olhado pode acontecer sem querer...  A empregada levantou outra hipótese metafísica e já foi se desculpando: será que coloquei energia negativa quando troquei a água do jarro, mas eu não tenho dessas coisas?! Todavia, o fato jazia: a Zantedeschia sucumbira. Permanecia branca, embora sem leveza. Estranhamente era como se a alma

Apocalipse Now!

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Vivendo nessa Brasília escaldante, sauna ao ar livre, não posso deixar de recordar um livro que marcou minha adolescência: “Não verás país nenhum”. Ignácio de Loyola Brandão narra a existência de um país transformado em deserto de água, sombra e de almas leves. Metáfora de um Brasil pós-apocalipse desolado e assustador.  Será que chegaremos lá? A nação nenhuma? Será que vamos desistir? Leio alarmada e mais triste a manchete de jornal: Brasília terá outra região administrativa que, até 2050, deve contar com mais 900 mil habitantes (torço para ter lido errado essa cifra. 90 mil já seria um número exorbitante; 900 mil, ultrajante!). Desastre antinatural em vias de se tornar realidade. Como podemos destruir nosso país assim, sem dó nem piedade? Quando as megalópoles deixarão de ser espaço compatível à vida em sociedade?  Agora é assim no Plano Piloto, ilha da fantasia elitista ao extremo: um sol para cada cabeça. Parece que um astro-rei me segue e queima meus miolos onde qu

O vão do coração

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“O verdadeiro amor é vão", alerta Gilberto Gil em sua antológica Drão . Talvez hoje já esteja pronta para compreender essa constatação. Os filhos são o amor vão. Porque o amor carnal, o amor entre casais (sejam eles formados por quem quer se seja) pressupõe uma troca. Uma contrapartida, um toma lá dá cá. Você não se entrega se outro não se entregar. De papel passado ou não, é contrato. E se houver o desequilíbrio, desanda. É desamor.  O amor pelos filhos, por mais que queiramos, pode ser totalmente desequilibrado. Não aceita papéis nem receitas, nem alianças no dedo. Eles nos amam, obviamente, mas são tão livres. Não se sentem obrigados a nos amar. Para eles é natural que estejamos ali por eles. Eles não sabem que existem tantas crianças sem pai e mãe por aí. Acham que assim que nasce um bebê nasce também uma mãe. Ah, se a bela campanha da Johnson & Johnson traduzisse fielmente a realidade...  O amor vão pelos filhos é soltá-los pela mão... Deixá-los subir n

Marc Chagall

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Vocês se lembram de como as borboletas eram fartas? De todas as cores e tamanhos, elas salpicavam o verde dos gramados, as rosas do jardim... Aliás, vocês se lembram de que havia muitos jardins com roseiras? Na minha quadra de infância, quase todas as frentes das casas eram coloridas por flores.  E os pirilampos, vagalumes? No escuro da noite na roça, esses bichos míticos, mágicos apontavam os caminhos para a imaginação. Onde foram parar esses insetos, os únicos da espécie que não me dão gastura, pois, sejamos francos, insetos são detestáveis. Eu, que sou fã de documentários sobre animais, não dou conta de ver a vida secreta do louva-deus. Ou os métodos bizarros de alimentação da aranha X. Tudo eca!!  Porém, as borboletas, ah, as borboletinhas e suas asas rarefeitas... Quando, enfim, conseguíamos capturar alguma, o pozinho ficava entre as falanges... Nas versões laranja, amarela, azulada, negra e agourenta, branca, listradinha... Pequeninas ou majestosas, as panapaná

No meio do caminho, havia um professor para tirar todas as pedras

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Diolinda, Vanilda, Carlota, Krishna, Dêda, Leonora, Grace... Todas foram ótimas personagens do meu romance. Nomes fortes e reais da história de amor que experimentei com tantas escolas da minha vida.  Hoje pela manhã meu marido ligou a TV no jornal matinal. Quem eu vejo estampada na telinha? Krishna, minha professora de ginástica por tantos anos, agora professora de crianças internadas em hospitais. O rostinho delicado ainda delicado. Os cabelos encaracolados ainda encaracolados e loiros. Foi bom revê-la tão bem e realizada fazendo o bem!  Carlota, com seu nome de velhota ranzinza, era mesmo uma moça chata. Responsável por uma cicatriz escolar no segundo ano. Meus oito anos nunca mais foram os mesmos depois que a professora afirmou em alto em bom som que eu havia colado a definição de ilha na provinha. Logo eu, que jamais fui capaz de tamanha ousadia por me considerar tão inteligente. Barbaridade!  Diolinda, tão linda! Uma gaúcha trilegal que me fez aprender mara

Criancices

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Tá bom, tá bom. Todo mundo volta ao passado ao postar suas fotos melancólicas, sujinhas e feiosinhas no Facebook. Naquele tempo não tinha photoshop e nem câmera digital. Não era permitido aos pais corujas escolher o melhor ângulo e registrá-lo em cem closes diferentes. Os filmes caros, as máquinas esparsas... Resultado: as imagens que a gente trouxe da meninice, às vezes, cabem dentro de um único envelope. Quando penso que meus filhos têm inúmeros álbuns, sem contar nos 350 arquivos de fotos bagunçadas no computador...  Hoje é assim, tudo a laser, em escala global: cornucópias cuspindo abundância... Talvez nossos filhos e netos não vão se comover com aquela primeira foto no parque, os livros que povoaram as primeiras elucubrações, com as brincadeiras de rua (que rua?)... Mas essas reminiscências desencadeadas pelo transbordamento de cliques da infância dos amigos no FB, foi desnovelando tesouros guardados entre os colegas de trabalho.  Um grupo de pessoas na casa dos 40

Cantilena

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Dia desses, durante a aula de karatê do meu primogênito, uma mamãe estilo gatinha, com suas malhas de ginástica justas e cabelão aloirado, falava ao celular o seguinte:  - Mas você precisa me passar o nome daquele terapeuta. Preciso levar o Eduardo. Ele anda tão sem limites! Imagina quando chegar à adolescência...  Hoje a gente não precisa de muito para saber da vida das pessoas. Nem é necessário se dar ao trabalho de ler blogs confessionais, por exemplo. É só ficar sentado ao lado de alguém ao celular e pronto: estamos por dentro das intimidades alheias sem que estejamos realmente interessados.  Falar ao telefone no meio da aula do filho é uma falta de educação básica, na minha opinião. Mas o que mais me intrigou foi a tal mãe precisar de um terapeuta para dar limites ao filho dela. Onde é que estamos parando???? Os pais contemporâneos estão se eximindo das funções primordiais incluídas no pacote da vida em família. Não vale só tirar fotos lindas dos rebentos para

As três balinhas

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Quem é mãe que já não acordou no meio da madrugada para dar um beijo no filho? A exata mãe que carrega a culpa pela incompreensão, pela impaciência. As mães e o poço sem fundo das angústias de se crer infalíveis. Sabendo ser impossível ela foi lá e fez. Que frase de tamanha crueldade, oras!  A mãe não pode fazer nada além do que já faz: parir, nutrir, amar, pentear os cabelos, escovar os dentes, dizer que ama, dar beijo, dar colo, dar bronca. O impossível é pra quem vive de filosofia. E filosofia não cria filhos.  Quando confirmo o brilho nos olhos dos meus filhos, acredito que eles estão tranquilos e seguirão bem resolvidos pela vida. É dilacerante reconhecer numa criança a esperança destruída. Já detectei em muitas. Infelizmente, não apenas nas obviamente maltratadas pelas vilezas de uma existência miserável.  Mas pinta a insegurança de que é imperativo fazer ainda mais e melhor. É uma pressão às vezes desumana. Parece que o comportamento da mãe ao lado é sempre mais legal do