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Mostrando postagens de abril, 2013

Transmutação

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“A metamorfose não é privilégio apenas da borboleta. Outros animais, como os anfíbios, também sofrem transformações. Porém, as mudanças sofridas por esses insetos são as mais radicais.” (revista Super Interessante) “Quando, seu moço, nasceu meu rebento não era o momento dele rebentar...” A data provável para o parto era 1º de Maio, Dia do Trabalhador, dia da minha mãe. Mas ele decidiu que teria um dia só para ele. Veio ao mundo na manhã do dia 30/04. Passara a noite toda para lá e para cá, crendo que a minha bolsa havia estourado. Entretanto, não sentia nenhuma sensibilidade além daquela água pingando de mim.  Por volta das seis e meia, acordei o futuro pai de primeira viagem e ligamos para a obstetra, a fria, porém competente, Lucila Nagata. “Vejo você no consultório às sete e meia”. Trêmulos, fomos pontuais. A médica constatou que a bolsa não rompera, apenas rasgara e o útero perdera bastante líquido amniótico. “Teremos de fazer uma cesárea de emergência”. Eu,

Lição de casa

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Ai, ai, esses deveres de casa da pós-modernidade... Acho boa parte deles incrivelmente egocêntrica. Esses de nome são uma coisa! Trabalhar a identidade, o indivíduo. Gente, hoje em dia essas crianças têm de exercitar é a coletividade, a solidariedade. Identidade e individualidade elas já apresentam de sobra!  Entretanto, nessa semana, fui surpreendida por uma tarefa destinada ao Tomás sobre o tema gratidão. “Trabalhando valores”. Enfim, um dever de casa que vai além. A gente veio da escolinha de criatividade conversando, pois a missão é pra ser entregue no dia 30/04, exatamente quando meu filho completa nove anos. Eu, que cultivo certa superstição, conclui ser outra das conexões telúricas auspiciosas, presente da vida.  - Mas você sabe o que é gratidão, meu filho?  - Não.  Sinuca de bico. Como explicar algo tão imponderável para uma criança de nove anos... Pensa, pensa, cérebro!  - Gratidão é um sentimento de amor por alguém que lhe fez algo que nenhum di

Abril em mim

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Abril está quase indo, fechando.... E eu nem falei dele. Abril dos “dias lindos” de Drummond. O frio de outono chegou sem pedir licença e adoro ser envolvida por esse frescor que nos obriga ao aquecimento, ao calor humano. Vasculhar músicas antigas amadas, mas que, por alguma razão, estão guardadas nas gavetas do profundo cérebro.  As músicas me fazem delirar, entrar em transe. Acho que fui um instrumento em outra encarnação do eterno vai e vem do espírito. Não teria sido nada mal vir ao mundo como violoncelo, emitindo maravilhas ao toque suave, ora vigoroso, d'algum virtuose frente a uma plateia absorta.  Adoro Abril! Mês do nascimento e da morte das pessoas mais importantes da minha vida: Tomás, mamãe, Marilena, Leila, Frida (além de abrigar meu aniversário de casamento). Abril abre em meu peito os sentimentos mais complexos. Me mostra que estou viva. Rolam lágrimas e canções. O céu deste mês é mais azul e traz com ele a vontade de gritar coisas desconexas. 

As traquinagens do amor

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Algumas pessoas devem ter claro em suas cabeças que o Rômulo é o meu filho predileto. A culpa para tal raciocínio torto é minha, pois não perco a oportunidade de divulgar as tiradas do caçula no Facebook. Além da acusação de preferência descarada – que provocaria inveja e ciúmes no mais velho, também insinuam que estou expondo o garoto ao mundo sem que ele saiba e, deste modo, vou acabar fazendo as pessoas criarem expectativas sobre a criança que ela talvez não seja capaz de satisfazer.  Resta-me apenas rir de tais suposições, pois não existe má intenção nos meus propósitos. Tomás não tem ciúmes do irmão além da clássica competição que sempre há entre seres tão próximos. Tampouco acredito que meu filho será cobrado pelas gracinhas interessantes que disparou durante sua infância.  Divulgo a rica cabecinha do meu filho porque acredito que vale a pena guardar essas histórias e também compartilhá-las para levantar questionamentos e reflexões bem-vindas em outros pais; em out

A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica*

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Confessar os dilemas não é garantia de ter um pouco mais de compreensão ao seu respeito. As pessoas conhecem a realidade, sabem que a vida interior é cheia de dilemas, porém, não querem receber esse tipo de confissão. (Oscar Quiroga, astrólogo)  A moça estava sentada a duas cadeiras de mim. Tinha acesso ao seu perfil sereno e perfeito, justaposto ao cenário verde da grama. A moça era delicada, uma pintura impressionista no restaurante de comida a quilo. Seus cabelos de pesadas ondas castanhas escuras emolduravam um rosto irretocável, boneca de porcelana.  Parei para pensar no preconceito contido nessa metáfora: boneca de porcelana. Nunca tinha visto um bibelô de ébano sequer. O homo sapiens é perverso. Seus joguinhos escusos de dominação perpetuados na Língua, na Moda, na Publicidade, nos silêncios, nas entrelinhas...  Porém a moça era branca. Fato. Silenciosa, olhava em linha reta. A blusa estampada, azulejo português: branca e azul. Parecia hipnotizada por

Novelo

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“A vida nos separa talvez dos companheiros, e nos impede de pensar muito nisso. Eles estão em algum lugar, não se sabe bem onde, silenciosos e esquecidos, mas tão fiéis”. Saint-Exupéry, no livro “Terra dos Homens” Recebi esse trecho do livro no epílogo da peça “Um Príncipe chamado Exupéry”. Veio em forma de carta, como se autor do Pequeno Príncipe tivesse enviado suas palavras para mim. Era só o toque especial de um espetáculo que foi doce, lúdico e comovente do começo ao fim. Marionetes que não precisaram abrir a boca para narrar as peripécias desse homem único. Os meninos de olhos arregalados, quietinhos, curtindo toda a ação.  Voltei para casa com a magia daquela encenação bacana em cada poro e também com a frase... Comecei a pensar nos meus companheiros desaparecidos, os silenciosos, porém, não esquecidos. Seus modos e aparências guardados comigo fielmente. Saint-Exupéry resumiu bem a consistência desses "fantasmas" mentais que nos acompanham vida afo

Queijo Suíço

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Começo a apresentar os primeiros sinais de senilidade. O que não é nenhuma novidade, pois se ainda estou viva, a única certeza, além da morte, é que estou envelhecendo. Detesto quando a luz dicroica do banheiro incide sobre o meu colo e devassa cada nova marca de expressão... Os seios escrevendo sua história de peso, de erotismo, de amamentação... Ao menos ainda não tenho aquelas linhas de enforcamento que aparecem nos pescoços de tantas mulheres, até no da Patrícia Poeta no Jornal Nacional!! Ou seja: não temos salvação. A vida consiste em resignar-se na aquisição de cremes cada vez mais caros e ficar à espera do milagre da renovação celular...  Falando nisso, lá fui eu comprar um desses tesouros da dermatologia moderna para presentear a minha tia, que faz aniversário amanhã. Cem reais e tantas promessas... Aproveitei para comprar o meu artrolive, remédio para conter a terceira idade do meu cotovelo direito, que cultiva, serelepe, uma artrose. Mais cem reais e outras tant

A mãe do Diabo

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"A paixão anda junto com a quantidade de incerteza que você consegue  tolerar." Esther Perel, psicóloga "Mamãe, de que o Exupéry gostava mais: escrever ou pilotar aviões?" As crianças e sua maneira dual de entender o mundo. Seus pretos e brancos... Sempre põem em xeque nossas estruturas. Não é à toa que Cecília Meireles escreveu um de seus poemas mais célebres exatamente sobre esse eterno dilema infantil, ou melhor, humano: “Ou isto ou aquilo?”  Mas como deve ter sido alimentar duas paixões tão avassaladoras e fazer as duas coexistirem pacificamente durante toda a vida... Não chega a ser uma pergunta, é mais retórica mesmo. Consigo entender que uma não podia sobreviver sem a outra na trajetória do escritor. Afinal, a incerteza é o ímã do passional. Quanto mais rotineira é a existência, menos “criativo” é caminhar sobre a Terra. E para encantar a todos com suas fábulas, ZéPerry precisava, primeiro, enriquecer a própria alma.  Será que é assi

A PEC das Domésticas e a minha Insônia

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Sou Maryln Moroe pós-moderna. Na hora de dormir uso apenas duas gotinhas... de Rivotril. Não lembro mais de qual foi a última vez que dormi o sono dos justos, dos bons, das criancinhas. Talvez na infância. Se bem que recordo, nos longínquos dias da minha meninice, ficar de olho na minha mãe apagada ao lado para ver se ela ainda vivia. Ou seja, talvez não dormir tenha sido o meu diário (o seria noturno?) sem me dar conta até a adolescência.  Sempre senti inveja do sono de mamãe. Denso, profundo, imerso na total escuridão. Nem quando sofremos o único terremoto registrado em Brasília ela foi acordada de sua viagem ao mundo de Morfeu. A casa toda tremeu, janelas quebraram, terra caiu sobre nossos corpos deitados e cinderela, nada.  O rapaz explodiu a casa com um botijão de gás e quase destruiu todo o bloco E da 715 sul. Até hoje me espanta o fato de ninguém ter morrido ou saído gravemente ferido do acontecido. Todavia, mamãe teve de ser sacudida muitas vezes até voltar ao

Mentiras que o povo conta

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As pessoas deveriam saber: não se pode mentir para um órfão. Órfãos criam expectativas, fantasiam o que poderia ter sido. Tecido. Trama costurada com um fio de esperança.  Dia chuvoso em Goiânia. Cenário inusitado para seguir as pistas de um passado nublado. A linha 035 deixou a mulher na Praça Cívica. Olhar à procura da Rua 20, no centro. De guarda-chuva caminhando pelas esquinas, chegou ao ponto de partida: uma casa antiga, bem próxima à Catedral. Hoje abriga o anexo da Justiça Federal goiana. Mas já foi a antiga Academia de Direito de Goiás, fundada na Vila Boa (terra de Cora Coralina), em 13 de agosto de 1898, e para a nova capital transferida.  Se a construção não tem a importância das arcadas paulistas, nem a fama de ter abrigado tantos nomes ilustres da Literatura, História, Filosofia ou Política nacionais, é de valor inestimável para a órfã, pois ali se formara o seu pai. O primeiro da família a concluir um curso superior com muita teimosia e visão de futuro.