Trio trava-língua





História de cachorro é o que não faltava na Salta Pau. Aliás, toda fazenda é lugar de criar bicho solto no terreiro. É galinha, é pato, gato, “tô-fraco”. Aposto que você nem sabe o que é “tô-fraco”! É a galinha d’angola. Também é chamada de capote em algumas partes do Nordeste do Brasil. 

Mas, por que "tôfraco"? Porque elas são bem espertas. Quando a gente corre atrás delas, elas gritam: Tô fraco! Tôfraco! Tôfraco! As bobinhas acreditam que assim a gente desiste de preparar uma cheirosa galinha d'angola para o almoço... Até parece!

Voltando aos “causos” de cães, a Salta Pau já foi casa de muitos cachorros legais. Sabiá, Latumia, Teca, Jamanta, Bandite, Apolo, Laika, uma das mais queridas, que viveu um tempão e fez parte de muita aventura com a gente. Mas nenhum desses fez tanta bagunça quanto o trio Pitu, Tupã e Tupi. Três perdigueiros do meu irmão. Adivinha qual? Do Edu, é claro. Só ele poderia inventar esses nomes tão originais...

Era ouvir e rir: Pitu, Tupã, Tupi. Quase uma brincadeira de trava-língua. E o mais grave: se os nomes eram parecidos,os cachorros mais ainda. Não havia uma só pessoa que não confundisse os nomes com os seus donos e vice versa. O Tupã era o mais velho, já meio preguiçoso, não queria muita coisa com a dureza. O Tupi era filho dele, um brincalhão, vivia pulando na gente. E o Pitu... bem, acho que era um sobrinho. Devia ser, porque eles eram a cara de um e o focinho do outro.

Meu irmão sempre gostou de caçar perdizes para fazer uma farofinha ou uma perdiz a passarinho. A perdiz é uma ave muito comum no Cerrado. Por isso, Eduardo arranjou com os amigos das redondezas um filhote de perdigueiro. O perdigueiro é uma raça de cachorro que nasce com o faro bom para caçar. Assim, chegou o Tupã. E ele parecia realmente um deus indígena. Grandão, de pelo branco e marrom, patas fortes e bela postura. Era só o meu irmão começar a se arrumar para a caçada que ele já se colocava a postos.

– Fiiiiiiiiiuuuu!, assoviava Edu e rapidinho seu fiel escudeiro chegava.

Lá ia o Tupã caminhando à frente (os perdigueiros vão sempre na frente, farejando o cheiro da caça). Quando Tupã descobria uma perdiz, parava feito estátua, com uma pata levantada e o rabo em linha reta, duro. A seta apontando o alvo. Aí, era só o meu irmão armar a espingarda e pou! Acertar o tiro certeiro na perdiz, que voava um pouquinho e caía mortinha da silva.

No final da caçada, Edu trazia umas três ou quatro perdizes no embornal. Feliz da vida, ia para a cozinha e preparava seu quitute. Eu ficava ressabiada, achando que era maldade com a avezinha e nunca provava as farofas que meu irmão fazia. Mas era uma bobagem. Edu nunca matava por matar. Ele sempre escolhia os machos. E se percebesse que a perdiz estava chocando ovos, passava direto em busca de um perdiz.

Entretanto, chegou o dia em que o Tupã foi perdendo o faro, a agilidade, a força. Seu pelo foi ficando esbranquiçado e ele só queria dormir. Ainda bem que meu irmão foi precavido e já tinha conseguido perpetuar o bom pedigree do velho cachorro. O Tupi crescia bem parecido com o pai. Era a segunda geração dos caçadores de perdizes. Também marrom e branco, também forte, empinado, galante. Outro companheiro das tardes de caçada. Tupã então pôde se aposentar e viver a vida boa dos que já cumpriram seu dever. Tupi assumiu o cargo com competência.

Porém, a vida do Tupi não era só trabalho não. Ele também tinha sua hora de recreio. Nesses momentos, gostava de se aventurar sozinho pelas matas da Salta Pau. Ele passeava, sumia, depois voltava, comia, dormia, descansava. Numa dessas incursões, Tupi deu de cara com uma cobra. Foi picado. Voltou mancando, chorando, latindo com sofrimento.

– Caimmmmm.... Caimmmmm...

Eduardo tentou de tudo, mas não deu certo. Tupi não resistiu e morreu. O veneno da cobra – meu irmão disse que era de uma jararaca – era muito poderoso. Edu ficou tão jururu! Era seu cachorro do peito. Seu companheiro de caçada. A casa toda ficou triste. Tupi era muito fera!

Vários meses se passaram sem que Edu voltasse a caçar perdizes. Onde encontrar outro perdigueiro bom de faro como o Tupi? Foi aí que o dono de uma fazenda vizinha ficou sabendo da tristeza do meu irmão e levou até a Salta Pau um filhote de presente para ele. O perdigueiro também era marrom e branco, bem parecido com os outros dois. Tupã recebeu o neto postiço com alegria e meu irmão também voltou a sorrir. Batizado de Pitu, o cachorro cresceu e passou a acompanhar Edu em suas incursões pelo mato.

Até hoje não como perdiz. Chatice de filha caçula, eu acho. O Tupã morreu de velho, devia ter uns cem anos na idade dos cães. E o Pitu também já partiu dessa para melhor. Mas ninguém se esquece do Tupi. Ele continua vivo na memória, que é o lugar que a gente tem para guardar a lembrança de pessoas, bichos e  acontecimentos importantes e gostosos que se vive nessa vida.



Comentários

  1. Opa, tô na área! Animais, tudo de bom!

    Ué? Achei que só houve um Bandite no mundo, um cachorro que foi do Gustavo, qdo ele morou num sítio. Gustavo criava ainda codorninhas, que o seguiam prá todo lado. Elas tb tinham nome... vou perguntar prá ele os nomes e posto aqui.
    Que fofa a história. "Edu, o caçador de perdiz e seus fiés perdigueiros".
    A minha pincher também é caçadora! Ela se acha! Só que , coitada, em apartamento, só caça mosquitinhos mesmo e migalhinhas de comida embaixo da mesa...rsrsrsrs
    Quem não tem perdiz, caça qq coisa mesmo, né?

    Bjs
    Patty

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    1. É, Patty, boas lembranças desses cachorros. Tô começando a achar que essa história de não gostar de cães é uma memória implantada.:)

      Que fofas as codorninhas personalizadas! Obrigada por compartilhar as memórias do casal com a gente, querida Pattygirl!

      Beijão,

      Luzinha-Lulupisces

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  2. Eu tambem tenho as minhas memorias viva da minha gatinha Mimi, que era a minha filha.
    Nossa, nos temos tantas historias que vivemos juntas!!! Depois da Mimi nao consegui a me apegar a mais nenhum animal de estimacao, acho que eh medo de sofrer depois...
    Muito tocante a historia do Edu e seus cachorros!!! fiquei ate emocionada!!!
    Bjs, Evelyn

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    1. Agradecida, Eve, por repartir com a gente suas vivências! Para o escritor é uma dádiva saber que tocou o coração do leitor!

      Beijão,

      Lulupisces.

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  3. Nomes das codorninhas (IN MEMORIAM):

    Novinha, Mocinha, Careca e Mimimiú

    Fonte: Gustavo

    Bjs! rsrsrs!
    Patty

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