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Mostrando postagens de maio, 2012

Desvãos

"Te  avisei que a cidade era um vão..." Chico Buarque Escapei. Fugi do oco e fui atrás da luz. Sei que muita gente encontra a sua fuga nas sendas das redes sociais, nas fuçações internáuticas. Não é o meu caso. Dou bandeira e preciso mesmo sair do meu posto de trabalho e dar uma vagueada pelos espaços físicos. A internet me cansa um pouco. O facebook me cansa um pouco. Olhar para o computador com sua cara estatelada e ofuscante me cansa muito.  Vaguei por corredores muito dantes navegados. Umas biboquinhas cheias de recortes, coisas do Niemeyer. Quando criança, buscava os cantinhos segredados da Catedral de Brasília. Passava tardes e mais tardes só investigando... Menina solitária no meio da solenidade.  A madrinha ocupada com a lojinha de souvenirs fazia o contraponto perfeito com a minha liberdade para ser detetive, desvendando espaços escuros, vazios. A arquitetura de Niemeyer gosta de caixotes dentro de caixotes, o que cria desvãos estranhos que podem

Sobre MENINAS e lobos

“Falem mal, mas falem de mim”. Será que a Xuxa precisava testar este ditado até o limite dela mesma? Seja qual for a resposta, ela conseguiu o que queria: aplausos e pedras. Essa é a dicotomia vivida por toda celebridade, por toda pessoa da mídia.   A unanimidade é burra, já dizia Nelson Rodrigues, que sempre levou tapas e beijos do não tão respeitável público. Querer que todo mundo se desmanchasse em lágrimas com a confissão da Xuxa no Fantástico, era exigir demais. As pessoas têm o direito de desconfiar de quem usa o horário nobre para revelar suas intimidades mais devastadoras. Ela correu o risco. Ela não foi ingênua, por favor!! Uma mulher que nasceu e cresceu nessa teia de mentiras que é a televisão, não tem inocência. Ela não “resolveu” se abrir porque o entrevistador era do caralho. Foi de caso pensado. Falou porque quis. Xuxa decidiu expor seu drama íntimo para milhões de brasileiros via TV. Como também expôs o anúncio da sua gravidez no Faustão. Um padrão que se repete..

Decifra-me ou...

"Sonhos são como deuses... Quando não se acredita neles, deixam de existir." (Paulinho Moska) Sonhos... Eles mexem tanto com as mentes não cartesianas. São capazes de nos apavorar. E de nos tornar prepotentes, acreditando que todo mundo quer saber o que nosso cérebro misturou em seu coquetel de lembranças recentes e ancestrais na noite passada. Ninguém resiste a compartilhar um sonho, não é verdade? Os sonhos são os precursores da vida midiática que atualmente temos no facebook. Tive um sonho ótimo como você, menina! Acredita que eu sonhei com você? Olha, estou ligando porque tive um sonho horrível contigo. Sua mãe pedia para você tomar cuidado com os meninos! E assim caminha a humanidade, entre pesadelos reais e imaginários. Às vezes, projetando, nos outros, o que não queremos que aconteça na vida real da gente. Hoje pela manhã, minha comadre Rosângela me liga para dizer que teve um sonho devastador com o Tomás caindo da janela. Ela estava com o meu marido, na mi

Pede com jeitinho

Eu não gosto de instituições financeiras. Quem me conhece sabe. Recordo minha cara amiga Lara me chamando para brincar de banco, mas quando via aqueles formulários rosas, amarelos e brancos que o pai dela, bancário do BB, trazia para a filha se divertir, eu fugia da brincadeira como diabo da cruz... Resultado: ela é contadora e eu? Sonhadora. Meu marido pediu para eu ir ao BB para saber mais sobre a possibilidade de recalcular nosso empréstimo consignado por causa da reforma. Eu adiei a missão até quase o limite da exasperação do meu marido. Não faço meu imposto de renda, não pago carnê. Sou uma débil mental dos extratos, CDBs e borderôs... Mas então sentei na frente do gerente da minha conta (que na verdade é do Bernardo. Sou apenas a titular-laranja, entendem?) com a agenda em punho para anotar tudo o que ele falasse. Tenho memória de elefante para contos, aniversários, lembranças de infância, cartas de amor, filmes, rostos, nomes... Porém retransmitir tudo o que japa manager d

Santo Graal lilás

Silêncio. O ninho está vazio. Nada de síndrome, só prazer em contemplar a luz que incide sobre o meu corpo deitado no tapete. Olho para o teto. Branco como minha cabeça sem horários, sem laços, sem culpas. Apenas sinto a leveza de ser senhora de mim dentro dos meus domínios. "Toda mulher é uma rebelde, normalmente em revolta selvagem contra ela mesma”, disse Oscar Wilde com toda a inteligência do mundo. (Serão os gays os grandes reveladores da nossa alma aflita? Espero que eles também não sofram dessas angústias. É tão diáfano ser homem...) Nós mulheres somos, de fato, as profissionais da autosabotagem. Hoje em dia mais ainda, porque multiplicaram-se os campos de atuação do autojulgamento impiedoso: casa, trabalho, casamento, maternidade. Ouço maridos amigos meus reclamando que as esposas não conseguem relaxar. Se estão com os filhos, preocupação. Se deixam os filhos, preocupação. A neura da culpa cede sempre às pressões in e out. E então passo os olhos nessas indefectíve

Carta para a prima de perto

Oi Dje, está tudo sob controle, não precisa se preocupar. É só que essa semana está sendo bem cansativa. Muito trabalho no trabalho e muito trabalho em casa, pois o Bernardo está viajando até domingo e sobra tudo pra mim, né? Não tem para quem jogar os meninos se eu tiver aquela vontade de jogá-los da janela e ir parar no manicômio judicial como uma Medéia - com acento, sim, porque acho mais fofinho - moderna. Sem contar que há um vazamento no apartamento do vizinho debaixo cuja origem está no nosso apartamento recém-reformado, mas em lugar misterioso. O vizinho está me perturbando horrores, justamente nesta semana na qual estou com os nervos à flor da pele... Acho que já ouvi o barulhinho do interfone umas 50 vezes de ontem para hoje. Mas está tudo sob controle. Sem falar no fantasma de quase câncer, diagnóstico que deveria ser varrido da face da Terra. Vai no médico na segunda-feira para fazer biópsia e volta para casa de mão abanando porque a secretária marcou errado na ag

Corações ao alto

“Só é possível te amar Ouve os sinos, amor Só é possível te amar Escorre aos litros, o amor...” (Nando Reis) A manchete de segunda-feira estampava: “Casamentos civis e religiosos no DF perdem espaço para a união estável”. A notícia me parecia um contra-senso. Afinal, dois dias antes, casara minha sobrinha numa cerimônia que reuniu amor de sobra, franqueza de sorrisos e harmonia familiar.  Quem pode abrir mão de tanta coisa legal assim só por medo do papel? E se eu falar que minha sobrinha é antropóloga, nada afeita às convenções, a matéria do jornal cai por terra? A juíza de paz que celebrou o casório também fez menção às pessoas que acreditam no fim do casamento e da família. Mas fez questão de deixar registrado que não acreditava nessa previsão quando estava ali, celebrando mais um matrimônio. Nem eu. Casar é válido. Casar é bom. Acho que todo mundo deveria passar por essa experiência. Uma vez só já basta. Também não precisa ficar recasando duas, três, quatros vezes. Aí já

Corra e olhe o céu* (antes que seja tarde)

Nunca vi nada tão exibido. Escancarado. Pra onde eu olho está ele, solene, mas ao mesmo tempo simplório. Se eu me sento à espera de alguém, ele abre brechas entre o concreto. Se eu dirijo, ele tomba na frente do carro como uma cortina ao fim do espetáculo. Porém é o início do flerte. Ele flerta descaradamente comigo. Cheio de volumes brancos, carneirinhos de algodão que anunciam o frio. Na manhã é silencioso, espectral. Perfeição que beira à artificialidade. Na tarde, retumbante, opiáceo. Uns rasgos de sangue na tela azul. Varando as ruas, da janela, do parque, debaixo do bloco: presença. Certeza. Mas ser exibido tem seu preço. A inveja quer lhe roubar. Quer lhe anular. A ira do Homem cada dia mais alta, na busca da prova de que também pode ser impressionante. Para qualquer lado, um gigante de concreto. As escalas, as projeções, o tombamento. Nada parece conter a brutal proliferação da cidade. Agora uma arena monumental se ergue e apaga um bom pedaço do horizonte. Ninguém se d

Arthur de pé descalço

Desde que nasceu, o menino era danado. Abria um olho e fechava o outro como se piscasse para a mãe e para o pai, respectivamente. Depois, sorria zombeteiro, virava o rosto para o lado e dormia até a próxima troca de fraldas. Por isso, a mãe de Arthur não estranhou quando, cinco anos mais tarde, o menino cismou que os pés dele não eram feitos para calçar sapatos. - Só vou para a escola que me deixar ficar descalço, decidiu. Os pais se preocuparam e colocaram as mãos nas cabeças (cada um na sua própria cabeça, que fique bem explicado). Mas o menino estava realmente decidido: de tênis não andava. De sapato, então, nem pensar. - Chinela. Sandália de surfista também serve, sugeriu o garoto. E Arthur só tinha cinco anos quando tomou esta decisão, já imaginou? - Este seu filho é da pá virada, reclamou o pai. - Agora o filho é só meu, né? Respondeu a mãe, que, emburrada, completou: A culpa toda é do seu tio Aldegundes. Na minha família, os tios não ficam dando mal exemplo para o

A baba de Bruno

Era a primeira vez que Bruno ia ao zoológico. Lógico que ele estava animado, de pé desde cedinho e colado nas pernas da mãe.  - Mamãe, é hoje que a gente vai no “zozojico”?  A mãe sorrindo daquele pequeno de quatro anos respondeu que sim.  - Mas trate de terminar seu copo de leite e esse pão com manteiga. E não se esquece de levar a maçã. Onde já se viu visitar os bichos com a barriga vazia?  Do ônibus, olhando pela janela a cidade lá fora em seu domingo parado e cheio de sol, Bruno imaginava como seria legal encontrar os animais das historinhas que o pai contava para ele todas as noites, antes de dormir.  - Mamãe, eu quelo ablaçar o leão, pode?  Dois segundos depois, Bruno já tinha mudado de ideia:  - Mamãe, o camelo é blavo? Eu quero subir no camelo.  Nem bem tinha acabado de falar, pensou melhor e perguntou:  - Mas mamãe, se eu puxar a tlomba do elefante ele não vai “gostá”, né?  A mãe, rindo por dentro, mas com ar de seriedade, respo

Crepitando

"Eu queria estar perto do fogo, no umbigo do furacão". O Cazuza inventou essa letra pensando em mim. Todavia estou presa num sarcófago, luzes artificiais. Baias nos separam como animais. Ambiente insípido, inodoro e incolor, mas não é água. Porque é água é bom. Estou presa numa masmorra moderna chamada escritório. E o mais grave: escritório criado por Niemeyer, que só ama as formas, jamais o conteúdo. Da rede chegam alentos à minha criatividade e eu tento manter o fogo da criação aceso. Mas esse lance de atiçar fogueira cansa... Porém, de algum lugar tem de vir algum elogio, concordam? Nem que seja de Curitiba, São Paulo, Inhumas! Não que eu tenha algo contra essas paragens, imagina. Acontece que aqui nesse inferno de Dante não tenho a menor chance de ser reconhecida pela minha escrita e nem por outra coisa qualquer. Vou recomprar "O Grito" no próximo leilão porque aquele ali sou eu no serviço público. Mas é esquisofrênico como as pessoas acham que eu re