Parabéns, moleca!


para a UnB em seus 50 anos


Lembro que ao entrar no Grande Circular gritei: Passei! Passei da roleta e continuei a zurrar: Passei! Fui até a janela do ônibus e berrei: Passei! Mas era preciso ir até lá. Até aquele Minhocão mítico onde me sentei ao lado de centenas de Lucianas e fiz minhas provas sem fé alguma no milagre.

Uma errada anula uma certa. Uma das questões discursivas de Matemática era sobre probabilidade e eu acertei. Talvez a única coisa que eu sabia da matéria além da tabuada decorada na segunda série primária. A redação pedia um paralelo entre a “História Oficial” e a “História de verdade”. E eu me lembrei do filme argentino de mesmo nome que eu tinha visto um pouco antes. Ser cinéfila precoce me salvou do desastre.

Nunca esperei passar no vestibular da UnB apesar de haver grande expectativa na minha casa para tanto. Afinal, era a caçula com benefícios: escola particular, aulas de inglês... Entretanto havia perdido o pai biológico aos 11 meses de vida e o sentimental a dois meses da maratona de testes. Não foi fácil sentar ali e passar horas entre o falso e verdadeiro. Entre o sonho e a realidade.

Já estava me conformando com o curso de Educação Física da Faculdade Dom Bosco, mas o telefonema da minha amiga de infância me tirou do torpor: Luciana, você passou! Então eu corri para o abraço. Era imperativo conferir a façanha com os meus olhinhos apertados, porém não sem antes expressar pelo caminho a minha dor, a minha superação: Passsssssseiiiiiiiiiii!

Meu nome na lista: Luciana de Assunção – Comunicação Social – Opção: Publicidade e Propaganda. Não é que era mesmo verdade? Eu havia passado no meu primeiro vestibular. Abati o monstro. Entrava no castelo. Era a princesa dona do meu destino. Adrenalina, poder e autonomia como aqueles só reexperimentaria muitos anos mais tarde, quando dei à luz ao meu primeiro filho.

Aos 18 anos recém-completados eu me matriculava na Universidade de Brasília. As imensas listas de disciplinas de diversos cursos naquelas impressões matriciais eram confusas e assustadoras. Ninguém sabia ao certo o que fazer e como fazer. Também não havia ninguém para nos pajear ou orientar. Éramos adultos, enfim. E ali eu encontrava a melhor amiga da faculdade. Perdida como eu, mas muito mais divertida.

Foram quatro anos intensos e empíricos. As matérias tinham nomes engraçados: Estética e Cultura de Massas, Corpo e Movimento, Sociedades Camponesas... A UnB era um tesão. No Minhocão do meu tempo, cursos díspares se esbarravam harmoniosamente. Era a imersão completa numa enciclopédia em três dimensões muito antes da internet.

Os almoços no malfadado “bandejão”. As festas da Arquitetura. Subir no teto da Faculdade de Direito, o Olimpo, e deitar de cara para o céu de Brasília. Assistir às palestras de mestres que abriram as portas da percepção sem o uso de drogas ilícitas. Comer torta de banana no subsolo apertado do “O Natural”. Passear na Biblioteca Central e saber que aquilo tudo me pertencia. Ouvir descobertas musicais no fone de ouvido largada em algum banquinho entre uma aula e outra... Sentimentos profundos de reverência e amor por tanta memória imprescindível.

A UnB me deu o universo de presente. E me deu também o pai dos meus filhos. Porque só o Minhocão de Darcy Ribeiro e Niemeyer poderia unir Física e Comunicação em tão inusitada sintonia.

Comentários

  1. Gostoso ler suas memórias, sempre. Também levei um susto ao passar no primeiro vestibular. 13º lugar em Letras! (vc me escreveu dizendo que Letras tinha a ver comigo, lembra?). Na prova aberta de história também dei sorte. Caiu a matéria que eu mais me afinizava: feudalismo! Mandei ver... apesar disso, também não acreditava no meu taco e já dava como certo fazer novamente o cursinho, já fazia as contas da mensalidade, quando descobri que havia passado e bem! Inseguranças da adolescência, né?
    Eu assisti uma aula da UNB com vc, lembra? Yes, tirei uma casquinha lá! O professor tava de terno (que chique!), escrevi um binhetinho prá vc: Por que ele dá aula de terno? Vc respondeu: acho que daqui ele vai para um outro trabalho...rs. Vc reclamou no dia do excesso de trabalhos, avaliações e o nível de exigência dos professores, aí eu perguntei: mas tudo o que é pedido é dentro do possível, né? Vc respondeu: nem sempre... viu como lembro?
    Agora estou às voltas com a Bruna, tentando entender esse papo de Enem, Neném, Pism, essa loucura toda. Vestibular homeopático. Outros tempos, né...

    Bjs
    Patty

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Patty,

      outros tempos... Esses eram mais românticos e mais ingênuos. Agora é tudo muito preto no branco, né não?

      Nosso grupinho do Notre Dame, como bem disse a Larinha, era de lascar! Todo mundo passou no primeiro vestibular em universidades públicas.

      Um beijão,

      Luzinha.

      Excluir
  2. Ah eu tenho saudade desses tempos de vestibular. Mas que saudade? se eu nunca vivi essa experiencia que voce descreveu acima?
    Mais foi gostoso ler o seu texto e fingir por um instantinho que eu tambem tinha passado no vestibular!!!!

    Bjs, Eve

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi dear Eve,

      você disse o que um escritor mais gosta de ouvir: que o leitor se envolveu tanto no texto que parecia que tinha vivido aquela experiência em carne e osso.

      Obrigada, amiga!

      Beijocas,

      Lulupisces.

      Excluir
  3. Oi, Loo!
    Hoje eu estava atualizando uns cinco textos seus, ou você andou muito produtiva ou eu andei muito out ou ambas as alternativas!
    Menina, nem lembro sobre o que escrevi no vestibular! Em nenhum dos dois! Só lembro que passar foi muito bom mesmo.

    E tão bom quanto passar, pra mim, foi passar na prova de habilitação!!! Carteira de motorista dava uma sensação de ser adulta!!!

    Encontrar terapeuta é muito louco mesmo! Quando eu encontro com a Ângela, geralmente pelo Sudoeste, ela pegunta "Tudo bem?", e eu sempre falo um "Tudo beeemm" meio estridente, parece que tem umas centas coisas pra falar, "tudo bem, mas eu poderia falar horas com você!". Ou parece que eu tenho que provar que está tudo bem. Muito doido.

    Vou ao Rio sexta, volto domingo.

    Beijinhos procê.
    Má.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. aMáda,

      os constragedores encontros terapêuticos dariam um ótimo livro de crônicas, não?

      Boa viagem para nós!

      Lulupisces.

      Excluir
  4. Oi Luciana,

    só hoje tive tempo de ler este texto. Caramba! Você tem uma memória e tanto! Mas eu me lembro de pegar o ônibus e ir te encontrar na saída da prova da D. Bosco para te dar os parabéns por ter passado na UnB.

    Nós passamos... Aquele nosso grupinho do Notre Dame era de lascar. Primeiro vestibular e lá estávamos muitos de nós: você, Marco Antônio, Cacau, Kédyma, Mônica Gomes, eu...

    A UnB para mim foi um marco. Até porque foi o momento em que meu pai decidiu que eu não era mais criança. Coincidiu com o direito à liberdade!

    E eu consegui viver aquilo sem me juntar ao PT. Fui presidente de centro acadêmico ou participei da diretoria ao longo dos meus quatro anos.

    Fiz pedágio para a Campanha de autalização bibliográfica... Fui a vários ENECIS e CONECICS, conhecendo gente de todo o país.

    Posso colocar em meu currículo que junto a um grupinho explusamos dois picaretas concursados da UnB e ainda ajudamos a criar o Departamento de Ciências Contábeis.

    Quantas lembranças...

    Será que algum dia nossos filhos vão viver isso? E será que eles ainda vão perceber a grande diferença que é estudar numa particular ou fazer parte da vida acadêmica da UnB?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. É, Larinha, eu desconfiava que era você quem me deu a notícia da minha vitória. Só não recordava que tinha sido ao vivo e em cores. Achei que você havia me ligado. Então, mais um ponto para a nossa amizade.

      Poizé, estudar numa UNIVERsidade faz toda a diferença. É um mundo ilimitado e infinitamente mais enriquecedor. Vamos torcer para que nossos pimpolhos tenham o prazer de estudar em alguma federal.

      Sei o tanto que você foi efetiva nas Ciências Contábeis. Parabéns, menina engajada!

      E continua assim, sempre dando a sua contribuição, né?

      Beijão,

      Lulupisces.

      Excluir
  5. Eita Lu, mas sua memória é danada de boa. Não faço a menor idéia do tema da redação no vestibular. Não lembro de um item qualquer da prova. A única coisa que me lembro bem foi de ir caminhando até a UnB para conferir aquela lista gigantesca no Ceubinho com o nome dos aprovados. Fui com minha irmã Lisaura e quase chorei ao ver meu nome. Também era meu primeiro (aliás, o único) vestibular. Foi uma alegria de uma vida toda no momento da descoberta da aprovação. Mas confesso que passei pela UnB com um certo desinteresse (talvez motivado pela minha crise vocacional extrema na metade do curso, quando eu tive certeza que eu jamais trabalharia como jornalista!!! olha aí certezas podem se desfazer de forma tão inquestionável...). De toda forma, lamentável. Acho que eu aproveitaria muito, muito mais do ambiente da UnB se eu estivesse lá hoje - ou se eu tivesse minha cabeça de hoje lá no fim da década de 1980. Enfim, c'est la vie. Fico grata que a UnB me trouxe muita coisa boa também, por exemplo, tu :) Beijos! Débora

    ResponderExcluir
  6. Deboratti,

    que bom te ver viva!:) Que bom que estás aqui novamente!! Sim, sem dúvida a gente aproveitaria muito mais da UnB se tivéssemos mais maturidade. Por isso sou a favor de um ensino médio de 4 anos para que a gente entre um pouco mais maduro na universidade.

    Você teve crise vocacional lá. Eu tenho até hoje, menina!! É duro... Sou a jornalista mais fake do planeta. Ainda me sinto mais publiciotária, não tem jeito. Minha flexibilidade é publicitária. Os jornalistas, tirando os maravilhosos, são uns burocratas da escrita e isso me apavora.

    Serei também eternamente grata à UnB por todas as experiências incríveis que me deu e por todas as pessoas especiais que estão na minha vida a partir dela. Você, sem dúvida, é uma das mais importantes!

    Beijão amiguinha lindinha!

    Lulu.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Ousadia

Presentim de Natal

Horizonte de Eventos