Babel Mística

Numa tarde de prosa com mi hermana, ela descobriu que o anel da mamãe que estou usando na mão esquerda tem um símbolo da maçonaria gravado no aro interior. Intrigante... De quem mamãe teria comprado um anelzinho de ouro gravado com um compasso dentro de um círculo? Mistérios de dona Maria que nunca iremos desvendar... Mamãe era um enigma.

Mas essa historinha me fez recordar uma matéria que escrevi há onze anos. Era um freela para a revista chamada "From Brasília to you". O projeto era bilíngue e pretendia ser uma publicação para os turistas brasileiros e estrangeiros que visitam a cidade. Acho que não deu certo, mas tenho o primeiro número, pois ali está o meu texto (pelo qual nunca fui paga, aliás) que posto para vocês com algumas atualizações. Afinal, fim de ano é sempre tempo de refletir sobre a espiritualidade e rever nossos conceitos e preconceitos, certo?

Babel Mística

Desde a sua concepção, ainda na prancheta do urbanista Lúcio Costa, a cruz, no centro da nova capital, deixava claro que Brasília não seria apenas uma sequência de cubos, quadrados, retângulos e círculos. Mera aula de geometria. O cruzamento dos eixos que cortam o Plano Piloto marcaria a alma da cidade futurística, Capital do Terceiro Milênio. 

Nessa onda espiritualista, mais de 700 organizações esotéricas, religiosas e filosóficas migraram para o planalto central, formando uma babel de correntes místicas que chama a atenção dos turistas e amantes da espiritualidade.

Não são poucos os que encontram semelhanças entre Brasília e o místico antigo Egito. Tanto na arquitetura quanto na magia. Concebido com a forma de um avião, o Plano Piloto é, para os mais crédulos, o pássaro egípcio Íbis. O sol - deus da antiguidade - nasce ao centro dos prédios do Congresso Nacional no dia do aniversário da cidade. No Egito antigo, o sol nascia em cima do sarcófago do faraó no dia de seu aniversário. Coincidências?

O olhar mais "místico" pode enxergar a esfinge enigmática até mesmo no Panteão da Democracia, em plena Praça dos Três Poderes, ou topar com uma pirâmide na 915 sul. Ali, por sinal, está o ponto turístico mais visitado da capital: o Templo da Boa Vontade.

O ambiente é de silêncio quase absoluto. No cume da pirâmide, um cristal de 21quilos, o maior encontrado na natureza brasileira, concentra energia e luz. As pessoas, descalças, caminham pelas pedras negras de uma espiral até tocar num pequeno círculo de cobre sob o cristal. O retorno é pela espiral de pedras brancas, que significa um caminho de purificação. O templo é ecumênico e acolhe qualquer pessoa interessada em meditar ou rezar, não importando o credo no qual acredita.

Outra pirâmide, às margens do Lago Paranoá, rende homenagem ao profético sonho do santo italiano Dom Bosco. Em 1883, Dom Bosco previu o surgimento de uma nova civilização entre os paralelos 15 e 20 do globo terrestre. Dali, brotaria "leite e mel". A minúscula capela projetada por Oscar Niemeyer foi construída exatamente sobre os paralelos do sonho de Dom Bosco, local onde jorra o mais belo pôr-do-sol da capital federal.

Referências egípcias, gregas, romanas, maias, incas, nagôs e ciganas fazem parte do dia a dia dos moradores do Vale do Amanhecer, pequena comunidade próxima à cidade de Planaltina/DF. Fundado em 1956 pela médium clarividente Neiva Chaves Zelaya, a tia Neiva, o Vale talvez seja o maior exemplo de sincretismo religioso do país. Os adeptos, com suas roupas em cores fortes, fazem suas orações próximos a um lago com a forma da estrela de Davi. É um outro mundo a uma hora da Esplanada dos Ministérios.

A Capital do Terceiro Milênio abriga, ainda, a Universidade Holística Internacional - Unipaz. Ali se estuda a vida em várias dimensões. Uma maneira de refletir sobre o mundo por meio da integração entre a ciência e as tradições espirituais da Humanidade. A Unipaz fica apenas a 26 quilômetros do centro de Brasília. Um pedaço de paraíso com belos jardins e piscinas de água corrente.

Em Brasília também foi erguida a maior mesquita da América Latina. São ao todo cinco blocos em legítima arquitetura muçulmana, cujo ponto literalmente alto é o minarete de 37 metros. É desta bela torre, na 912/13 norte, que os fiéis são chamados para as cinco orações diárias voltadas para Meca, ritual obrigatório do Islamismo.

Os budistas também marcam presença na babel mística. Na 315/316 sul aportou uma réplica do templo Fukui, do Japão. É o Templo Budista da Terra Pura. Há mais de 35 anos, o minimalismo oriental faz interessante contraponto com a arquitetura horizontal dos edifícios residenciais a sua volta. Durante os cultos, o simpático e sábio monge Sato comanda as orações em trajes litúrgicos tradicionais.

Aos domingos, às 9h00, a meditação cantada em japonês é aberta a qualquer pessoa interessada em entrar em comunhão consigo mesma ou com os ensinamentos budistas. E todos os finais de semana de agosto são reservados para a quermesse do Templo Budista. Comida japonesa, artesanato oriental e aulas das danças típicas como a "Bom Odori", realizada pelos japoneses no período de colheita do arroz, são imperdíveis.

E do Oriente também vieram a Fundação Seichono-iê, uma "ciência mental" que une filosofia e religião em palavras simples e a Sociedade Marikari, que trabalha com a arte da imposição das mãos para purificar as pessoas.

A Ordem Rosa Cruz, uma sociedade místico-filosófica criada no Egito há mais de três mil anos, trabalha com o autoconhecimento na Asa Norte. A matriz maçônica do Grande Oriente do Brasil, com sede arrojada na 913 sul, construíu um templo "secreto" e majestoso no subsolo da edificação, aberto somente aos iniciados (e à jornalista aqui, que desceu alguns metros terra adentro para conhecer um pouco mais dessa organização tão envolta em brumas).

Para quem quer se aprofundar no entendimento do kardecismo, Brasília também é casa da Comunhão Espírita (CEB). A CEB é uma entidade civil, religiosa e beneficente, tendo como objetivo o estudo e a divulgação da doutrina espírita codificada por Allan Kardec e a prática da caridade.

Nos arredores de Brasília, já no estado de Goiás, nasceu a Cidade Eclética. Comunidade com cerca de 300 moradores que cultivam uma filosofia religiosa chamada de Fraternidade. A 75 km da capital do poder, você é convidado a sentir a energia apaziguadora de irmãos que trabalham em prol da evolução espiritual. Mas, atenção: mulheres não entram no templo de calças compridas.

Diz-se que Mestre Yokaanam, fundador da fraternidade eclética, estava sobrevoando a região onde Brasília seria construída (ele era piloto da FAB), quando se encontrou com um extraterreste que lhe revelou sua missão. O alagoano que se chamava Oceano de Sá, então, mudou seu nome para Yokaanam e fundou a comunidade, a princípio no Rio de Janeiro, em 1946. Dez anos depois, transferiu o grupo para o planalto central, numa região de natureza privilegiada. 

O crucifixo entalhado em madeira é uma das impactantes imagens do Santuário Dom Bosco, na 702 sul. Ali, os vitrais em 12 tonalidades de azul do artista belga Humberto Vandró, tranquilizam os visitantes. Nas portas de bronze, cenas das visões proféticas do santo padre. E do teto, a grande estrela do lugar: o gigantesco lustre de cristal, que só é aceso em sua totalidade para ocasiões especiais.

Alguns arriscam que são mãos estilizadas unidas num gesto de oração. Outros garantem que se trata de um cálice. Não importa. Projetada por Oscar Niemeyer, a Catedral Metropolitana é umas das criações arquitetônicas mais bonitas de Brasília. 

Idealizada para ser um templo ecumênico, a Catedral foi, aos poucos, se tornando católica. A nave circular fica abaixo do nível do solo e para chegar até lá, o vistante passa por um túnel escuro chamado de "zona de meditação". No interior da igreja, os raios de sol, filtrados pelos vitrais coloridos da artista plástica francesa Marianne Peretti, inundam todo o espaço, que é abençoado pelo voo de três anjos imensos, esculpidos em alumínio fundido pelo artista Alfredo Ceschiatti. 

Enfim, Brasília oferece uma infinidade de oportunidades para quem quer se aprofundar nos mistérios da alma humana. Seja bem-vindo e venha em paz! Aqui, é sempre bom lembrar, os motoristas evitam buzinar e respeitamos a faixa de pedestres. É ou não é uma mãozinha para o crescimento espiritual coletivo?