Minha Teresina

toda rua tem seu curso
tem seu leito de água clara
por onde passa a memória
lembrando histórias de um tempo
que não acaba
Torquato Neto
piauiense fantástico 


Olha aí o Piauí, há quanto tempo não vinha por aqui... Do alto do avião, controlando o pânico de voar com espiadas pela janelinha, eu via a terra do pai do meu marido, do avô de meus filhos. Território plano, árido, com milhares de casinhas dispostas no tabuleiro de xadrez da vida sofredora do Nordeste. Um cheque-mate diário nas adversidades.

As indefectíveis florzinhas que nascem na rachadura do concreto

Chega a ser um milagre todo mundo falar português nesse vasto país tão plural. Os regionalismos são intensos e diversos. É como se a gente visitasse terra estrangeira, mas com o bem estar de se sentir em casa, falando a mesma língua.
Calçadão da Av. Frei Serafim
Cuzcuz de arroz, bacupari, carneiro, bacuri, doce de mangaba, apito para chamar passarinho, ventilador que joga água, olhe pra isso, oxente, mas rapaz!!!! Bolo de goma, capote, quem vai querer capote!!!! Descatitei o sujeito, não quis nem saber! Parnaíba e Poty, bem-vindo à cajuína cristalina em Teresina! Ê Brasil rico de cheiros, cores, sons e gostos. Rico de gente!

Ventilador que joga água na casa dos tios Rita e Bernardo
Novo ponto turístico: Ponte Estaeada sobre o Rio Parnaíba
A capital do Piauí é molenga, derretida pelo sol a pino. É difícil sair às ruas depois das oito da manhã, mas o povo sai. Fazer o quê... É preciso garantir a comida na mesa, a roupa no corpo. Acordei cedinho e fui caminhar pelas quadradezas das esquinas. A minha câmera digital a tiracolo, para contragosto do tio do marido, cioso e assustado com os modos independentes da sobrinha torta e desbravadora.
As costas da igreja de São Sebastião, com a estátua de Frei Serafim
A frente da Igreja de São Sebastião
Mas não era a minha primeira vez na cidade. Só que a cada dia me pego mais interessada nas arqueologias e antropologias dos espaços urbanos... Quero ver as pessoas em suas rotinas. Quero sentir o astro rei queimando o meu rosto enquanto respiro a alma dos cantos explorados. Completar 40 anos nos dá lucidez e curiosidade especiais. A gente desabrocha para o mundo porque dele já está como que se despedindo...

Essa é a região central de Teresina

Rua Lizandro Nogueira, onde meu marido se esbaldava nas férias
(A placa ali do lado é da fábrica de móveis de aço do tio Bernardo)

Ir a qualquer paragem e não dar uma passadinha no velho mercadão é perder a essência da cidade, pois ali está exposta a personalidade citadina. As qualidades e defeitos de seus habitantes. No de Teresina a gente encontra a herança do cangaço, do sertanejo. O amor pelos doces caseiros... A obstinação da palha torcida que vira flor, cesta e arranjo de Natal. Há também sujeira, pobreza e desorganização. Tipos ímpares ganhando os trocados da vida tosca, mas brejeira.

Vista do mirante da Ponte Estaeada

Teresina vista do alto
E no regaço da família do meu marido também reconheço traços distintos da afetividade nordestina. A liberdade no tocar, no conversar ao redor da mesa sempre farta demais. Os piauienses sabem como receber os convidados. Não demonstram comedimento em nada: nem nos abraços, nem nos quitutes. Tudo é adocicado como o beijo no ombro que Neto me dava a cada reencontro na sala de estar.
O mais novo leãozinho do clã: Luis Gustavo
Os primos e tios reunidos para lembranças e piadas. Leões se acalentando à sombra... Roda animada de histórias sobrenaturais sob o céu estrelado do sítio. Perceber que continuamos queridos ontem, hoje e sempre, não importando quanto tempo ainda nos venha separar. Seguiremos sendo reconhecidos como parte do clã ao retornar para outros casamentos, férias, aniversários e mortes (que sejam poucas e breves).

Primo Neto no grande dia, escoltado pelos pais: tia Rita e tio Bernardo


Suziane e Neto: noivinhos do ano!

O calor humano é tão sólido quanto o calor que estala lá fora. Mas só que não cansa, não desanima, pelo contrário. Da vontade de ficar junto mais e mais. Na despedida, dorzinha no coração... Vontade de encurtar o chão para que Teresina fosse, assim, bem juntinho de Brasília.

Dois irmãos charmosos: Bernardo e Gustavo
Tia Lucinha e as primas Vanessa e Marcela: gatas!
Os primos gatos: Flávio, Bernardo, Gustavo, Neto, Marcelo e tio Tarcízio
Contação de causos no sítio do tio Bernardo
Prima Liana e sua mais linda criação...

Comentários

  1. O encanto ou desencanto que podemos ter em relação a lugares tem muito a ver com as experiências que passamos neles. Teresina sempre foi uma cidade infinitamente menos desenvolvida e mais sofrida que Brasília, onde fui criada, mas meu sonho dourado de infância e de adolescência era viajar para passar férias lá. Minha família, gigantesca, cheia de primos da minha idade, garantia férias dos sonhos para qualquer criança ou adolescente.
    Foi no Piauí que vivi meus primeiros amores reais (pois os platônicos começaram em Brasília), foi onde dei meu primeiro beijo de verdade (os outros foram bestas, do tipo brincadeira "salada de frutas"), já tarde, com 17 anos... Em pleno "Alô Brasil", barzinho na Praia do Coqueiro.
    Foi no Piauí que pensei que fosse casar com dois primos - não ao mesmo tempo, logicamente, mas me apaixonei por cada um em fases distintas da vida.
    Foi lá que corri no mato, nos sítios do avô ou dos tios, ficava fascinada com aquela plantinha que se fecha ao nosso toque, lá que eu aperreava o juízo das galinhas porque eu encasquetava de pegar os pintinhos e tratá-los como animais de estimação.
    Foi lá que eu cansei de tomar banho de chuva, daqueles violentos como são os piauienses, enquanto lavava o quintal da casa da vovó (porque esse fascínio infantil de lavar quintal, gente? Há relatos de diferentes pessoas que me comprovam).
    Foi lá que eu via, fascinada, a primaiada subindo em árvore - coisa que nunca quis fazer quando criança (eu era uma criança muito delicada, digamos assim, muito amedrontada com tudo), e foi pensando nessas cenas de infância que fiquei ainda mais feliz quando subi minha primeira árvore, em Quixadá, no Ceará, já com os meus trinta e lá vai pedrada. Tenho foto para mostrar a gostosura desse momento de infância adulta.
    Foi no Piauí que nasci, e embora tenha me mudado para Brasília com um ano de idade, sei que tenho lá raízes que são mais profundas do que a mera convivência rotineira do dia-a-dia. Há raízes emocionais, ancestrais.
    Então, sempre que alguém me pergunta daonde sou, e eu respondo que sou de três lugares (Piauí, Brasília e Fortaleza), o povo acha exagero me considerar piauiense, já que me mudei para cá tão novinha... Mas eu sou, não sou? De coração, eu sou.
    Então... É um lugar cheio de problemas, cheio de tristezas também, mas completamente pleno de alegrias e lembranças amorosas pra mim. Um paraíso, a despeito de tudo (a despeito, inclusive, daquele calor do subsolo do inferno)
    E é assim que os lugares ficam pra gente: como o símbolo de tudo o que nele foi vivido. Então, Teresina só pode ser associada a muito amor pra mim.
    É, nem tinha pretensão de fazer uma ode nem nada, mas saiu assim!

    Besos!
    Débora

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  2. Olá Luciana,

    Lindo textooo!! Cheio de vida!! Que bom que deixamos boas lembrançasss..
    Voces também deixaram saudadessssssssss.. Espero que não demore tanto para nos reencotrarmos novamente....

    um grande abraçoooo,
    Liana, Gustavo e Luis Gustavoooo

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  3. Olá Luciana,

    a presença de vocês foi fantástica!Oxigenou nossos laços!
    Gostei dos LEÕES,que se valorizaram com a sua presença entre os mesmos.
    Vou providenciar a CARNE DE SOL e a CACHAÇA! Abraço a todos!
    Marcelo.

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  4. Ah, a casa dos meus avós fica no centro também, na 13 de maio, pertinho do Diocesano!

    Bjs

    Débora

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  5. É bem como a Débora disse mesmo. Teresina só me trás boas lembranças, de férias animadas, pulando de casa em casa e sendo sempre recebido por tios e primos. Quem dera fosse mais perto.

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  6. Oi Luciana.
    Seja bem-vinda de volta.

    Eu vou gostar de Teresina.
    Da sua Teresina eu vou gostar.

    Aquela roda de conversa embaixo da mangueira é minha definição de felicidade.A imagem dos leões foi fodástica. Sério!

    Seu post me deu muitos motivos para conhecer Teresina.

    Bjs.
    Valdeir Jr.

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  7. Sentimental eu sou, eu sou demais...

    Nossa, quanto comentário bacana! Lágrimas...

    Vi que gostaram da metáfora dos leões (ou seria comparação? Acabo de me esquecer das aulas Literatura).

    Poizé, eu fui escrevendo, escrevendo e percebendo o quanto Teresina tem de África. Aquela savana, aquela quentura, aquela coisa de bando e clã...

    Obrigada pelo carinho de todos,

    Lulupisces.

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  8. Teresina,não e.Teresina é!

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  9. Lulu,

    Como eu já tinha dois comentários aqui no blog sobre Teresina, eu deixei pra lá, para não parecer a comentarista descontrolada do Lulupisces.

    Mas eu tinha de te dizer que adorei seu texto sobre Teresina. Aquelas florezinhas são a cara de lá mesmo... Você sabe como elas se chamam? Fiquei curiosa agora para saber.

    Adorei as fotos, o texto, fiquei curiosa também para saber o que é bacupari (bacuri eu conheço, mas esse aí não).

    E você estava linda no casamento!

    Um beijo,

    Débora.

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  10. Também estou com saudade dos nossos chás da tarde! Aqui em Buenos Aires o pessoal não tem tempo para tomar chá nem jogar conversa fora, é muito sério! E ocupadissimooooo!!! Quando vai vir!???? Estarei todo janeiro por aqui, avise!!!

    Quero ver o novo visual do bernardo ao vivo! Já falei para Adriano como radicalizar a imagem!!!hehehehe. Esse 2011 veio com mudancas em tudo, né?

    E você continua sendo minha viajeira predileta!

    Besos,

    Mariana.

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  11. Luciana e Bernardo queridos,

    Posso não ser tão fiel e frequente usuário das redes, porém dou lá as minhas ¨tacadas¨.

    Recebemos, via Marcela, as tuas mensagens e impressões sobre nós e Teresina. Em relação às primeiras, fostes bondosa. Porém, com relação à cidade, fostes muito feliz. O retrat que fizestes da cidade foi absolutamente verdadeiro, embora nós, aqui vivendo, não tenhamos a capacidade de visualizar com tamanha clareza e sonoridade. A sonoridade bonita que destes às palavras... Tão ausentes nos textos habitualmente escritos em revistas, jornais e ouvidos nos comentários políticos, mesmo por pessoas ditas cultas nas TVs.

    A nós, resta agradecer a alegria de ter compartilhado momentos tão agradáveis e torcer para que, muito proximamente, possamos voltar a tê-los.

    Abraço grande de todos nós. Beijos a vocês e aos meninos,

    Tarcísio, Lúcia, Vanessa e Marcela, bem como dos genros Astrogildo e Alexande.

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  12. Oi querida Lu,

    A propósito de seu bonito e gostoso texto ilustrado sobre Teresina, acabei de ouvir na CBN a boa notícia:o referido estado estabeleceu que qualquer político que tenha, na sua ficha, cassação ou desvio de verbas, vai ser obrigado a ressarcir os cofres públicos para as próximas campanhas eleitorais. Detalhe: o Piauí é estado que mais tem prefeitos cassados: 58!

    Bjs da Beth.

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  13. O amor da criação! és abençõada, tu espira vida, poesia, amor,familia.. lindo texto

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