A benção, mãe!

“Sob a nudez forte da verdade, o manto diáfano da fantasia”
Eça de Queiroz

Os portugueses são um povo apegado às palavras. Por onde quer que a gente caminhe nas ruas lusas, há sempre um poema impresso nas paredes, muros e azulejos. Um pouco diferente dos brasileiros, que estão sempre a escrever em inglês e que pouco divulgam os escritores nacionais nos espaços públicos.

E a outra de poesia...(Oceanário de Lisboa)
Luís de Camões está enterrado em lugar solene, em uma das mais belas basílicas do país, no Mosteiro dos Jerónimos. Jazz em túmulo espetacularmente esculpido ao lado de ninguém menos que Vasco da Gama. Infelizmente, a pompa e circunstância que o acompanham na eternidade não lhe foram conferidas em vida. Morreu pobre e sem fama o pai da língua portuguesa.

Quem sabe não foi essa nota triste a responsável pelo povo português rever conceitos em relação à língua? Hoje, o que percebemos ao visitar o país é um habitante orgulhoso e brioso de estampar o Português em tudo. Nomes de lojas, prédios, séries de televisão e filmes. Eles não deixam passar nada. Inglês só mesmo com legenda. Lost é Perdidos. The Mentalist é O Mentalista. Bones é Ossos. Pra quê anglicismos se existem palavras semelhantes ou iguais para descrever as mesmas coisas?

Com cara de pastel junto ao túmulo de Camões
Logo ali pertinho de Camões, no claustro do mesmo fantástico mosteiro, está o túmulo de Fernando Pessoa. Mais do que justa homenagem ao poeta essencial. Creio que esse reconhecimento, ainda que tardio no caso de Camões, nos mostra a dimensão da importância da língua para uma nação. Deveríamos nos exemplar com os portugueses e sair por aí a fazer estátuas de Vinícius, Quintana, Guimarães Rosa, Machado de Assis...Um museu para a língua portuguesa é bem-vindo, porém mais proveitoso seria se não estivéssemos à mercê de expressões “importadas” em cada esquina.

Eça de Queiroz também não foi esquecido e ganhou uma bela escultura que representa o autor amparando uma figura feminina (a verdade), postada no bairro alto de Lisboa. Pessoa, ali perto, está sentado para sempre no Café à Brasileira, ponto de encontro da boemia cultural portuguesa. Pelo menos já temos Drummond olhando o mar de Copacabana. Espero que ninguém mais ouse roubar os óculos do grande escritor brasileiro. Que ultraje!

Uma prosa com Pessoa, que fã é assim mesmo
Como amo a língua que falo e escrevo, a postura dos portugueses me tocou fundo o coração. O que pode ser dito na língua é dito na língua. Não há incorporações banais de expressões estrangeiras no cotidiano luso. O Português é idioma complexo e completo. Não precisa de penduricalhos. É assim que o país-descobridor parece dar o seu recado.

Certa feita, escrevi o trecho de uma canção do Caetano Veloso como complemento de um trabalho de direção de arte. O professor da faculdade sorriu e brincou: “Sempre um textinho, não é dona Luciana? Eu pedi uma ilustração que falasse por si”. O que ele diria do Oceanário de Lisboa, com cenário que dispensa digressões, assessorado pelos belos poemas marítimos de Sophia de Mello Breyer... Em cada cantinho, um libelo ao léxico natal. Faz suscitar a velha disputa sobre o que mais vale: a imagem deslumbrante ou a divina cadência poética?

Conflito de interesses nas ruas de Lisboa
Não ouso saber a resposta. Apenas fico feliz por descobrir que meus irmãos do outro lado do Atlântico dispensam à língua uma devoção que eu, ainda infante nesse território, também cultivo. Ser redundante para ressaltar o belo não faz mal, faz?

Comentários

  1. Muito bacana este seu post. Um dia ainda vou lá. Tenho uma amiga (de Internet, mas uma pessoa muito bacana e culta) que mora em Lisboa. Também acho que deveríamos cultuar mais nossos escritores. Vinicius tem uma estátua em Itapoã, abandonada. Drummond, se não me engano, tem outra no Rio, cujos óculos são sempre roubados... Gostei das fotos com o Pessoa e junto ao túmulo de Camões, e afinal quem não ficaria com 'cara de pastel' numa situação dessas ? Penso, mas não existo, adorei isso. Onde achou ? Um abraço, José Rosa.

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  2. Caro José Rosa,

    pois é, fiquei profundamente comovida ao visitar o túmulo do pai da língua portuguesa. E o "Penso, mas não existo" estava nas ruas de Lisboa, sempre plema de poemas nas paredes, fachadas e muros...
    Foi minha primeira vez em Portugal e me deixou marcas muito fundas e boas.

    Abraços,

    Lulupisces

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  3. Ainda vou lá, quem sabe ano que vem. Tenho uma filha que estuda em Madrid. E uma amiga em Portugal.

    ab.

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